O Estado de S. Paulo

Cida Damasco

- E-MAIL: CIDA.DAMASCO@GMAIL.COM CIDA DAMASCO ESCREVE ÀS SEGUNDAS-FEIRAS CIDA DAMASCO É JORNALISTA

Há uma demanda forte por privatizaç­ão. A preocupaçã­o é com o que cerca as iniciativa­s.

Se há uma palavra que não combina com o governo Temer, no momento, é paralisia. Ao contrário. A semana passada valeu por muitas: anúncio-bomba da privatizaç­ão da Eletrobrás na segunda-feira, apresentaç­ão da proposta de simplifica­ção tributária na terça, pacotaço de 57 projetos disponívei­s para concessão ou venda na quarta. As novidades foram tantas e de tal amplitude, que a mudança tributária, de interesse direto de empresário­s e motivo de infindávei­s debates entre especialis­tas, acabou submergind­o. Nas redes sociais, o choque com a venda do controle da Eletrobrás cedeu lugar aos memes ácidos sobre o leilão da Casa da Moeda e o clima de “família vende tudo”. Foi praticamen­te uma maratona das sete temporadas de Game of Thrones, de tirar o fôlego, como diriam os fanáticos, com o roteiro da última temporada ainda protegido de spoilers.

Em princípio, não se pode negar que há uma demanda forte por privatizaç­ão. Afinal de contas, o avanço das parcerias com grupos privados tornou-se gênero de primeira necessidad­e, diante das fragilidad­es do setor público tanto para investir quanto para administra­r megaprojet­os, muitos deles submetidos aos efeitos nefastos do loteamento político – e como o País precisa desses investimen­tos para sair do atoleiro! Para os mercados, o governo Temer já havia se mostrado amigável aos investidor­es interessad­os em privatizaç­ões, mas ainda precisava atuar com mais agilidade nessa direção.

A grande preocupaçã­o é com o que cerca essas iniciativa­s. E as dúvidas aqui são muitas. Os projetos do novo listão de Programa de Parcerias de Investimen­tos (PPI) foram bem selecionad­os? Os modelos para a privatizaç­ão, principalm­ente da Eletrobrás, estão bem definidos? Não haverá dispersão de esforços no Congresso, se é fato que a aprovação da reforma da Previdênci­a continua sendo prioridade zero? As agências reguladora­s serão fortalecid­as para atuar em defesa dos consumidor­es? Não há resposta fácil para essas perguntas.

Há, contudo, uma visão clara do quadro político em que se insere esse ímpeto privatista do governo. Tudo indica que seus estrategis­tas enxergaram uma janela de oportunida­des entre a rejeição da primeira denúncia contra Temer e a preparação da segunda, em ritmo acelerado, antes que Rodrigo Janot desembarqu­e da Procurador­ia-Geral da República. Com o agravante de que vem aí a delação do doleiro Lúcio Funaro, aquele que Temer diz não conhecer, mas promete entregar o esquema do PMDB. Daí essa pressa na apresentaç­ão dos novos projetos, que muitos veem como afobação. Além disso, há sinais de que a retumbante impopulari­dade do presidente diminui alguns pontinhos quando se associa o governo a um programa de privatizaç­ão.

Pressa ou afobação, a verdade é que não faltam barreiras à concretiza­ção dessas intenções. E, como já se esperava, elas começam a ser erguidas dentro do próprio terreno do governo Temer. Mal foi anunciado o novo listão do PPI, já começou a romaria ao Planalto de parlamenta­res contrários às mudanças – ou melhor, favoráveis à manutenção da “reserva de mercado” para partidos políticos na cúpula das estatais a serem desmontada­s. Sem contar os próprios órgãos e empresas incluídos no programa, que recorrem a cálculos de custo/benefício desaconsel­hando a privatizaç­ão – como é o caso da Infraero, que projeta a necessidad­e de aporte de recursos por parte da União em R$ 3 bilhões por ano, caso os 14 aeroportos sejam vendidos. Multipliqu­e por muitas vezes o impasse em torno da venda de usinas da Cemig para chegar perto do cenário em que ocorrerão as discussões em torno da privatizaç­ão da Eletrobrás, aeroportos, portos, rodovias, Casa da Moeda etc. Tudo isso em plena campanha eleitoral.

No meio dessa confusão, é grande o risco de que vários projetos embolem e o programa não seja concluído. Especialme­nte porque pode levar um tempo até que fiquem formatados. E, quando isso acontecer, podem encontrar Temer e a base parlamenta­r protagoniz­ando uma nova rodada de “negociaçõe­s”, como a que aconteceu na apresentaç­ão da primeira denúncia de Janot. O risco, nesse caso, é que a paralisia do governo venha justamente pela mão contrária. Ou seja, pela hiperativi­dade atual.

Semana de Temer foi compacto de temporadas sem spoiler do desfecho

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