O Estado de S. Paulo

Políticos ‘se lixam’ para a sociedade

- CARLOS ALBERTO DI FRANCO JORNALISTA. E-MAIL: DIFRANCO@ISE.ORG.BR

OCongresso Nacional está de costas para a sociedade. Está “se lixando” para a opinião pública. A prioridade dos parlamenta­res é livrar a cara e garantir o poder. É tremendo. Mas é assim que acontece.

A política brasileira está podre. Ela é movida a dinheiro e poder. Dinheiro compra poder e poder é uma ferramenta poderosa para obter dinheiro. É disto que se trata as eleições: o poder arrecada o dinheiro que vai alçar os candidatos ao poder. Saiba que, atualmente, você não faz diferença alguma quando aperta o botão verde da urna eletrônica para apoiar aquele candidato que, quem sabe, possa virar o jogo. No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro. O jogo é comprado, vence quem paga mais.

Em resumo, amigo leitor, durante os governos petistas, ancorados num ambicioso projeto de perpetuaçã­o no poder, os contratos da maior empresa brasileira com grandes empreiteir­as eram usados como fonte de propina para partidos e políticos. Dá para entender as razões da vergonhosa crise da Petrobrás – pilhagem, saque, banditismo, estratégia hegemônica –, que atingiu em cheio os governos de Dilma Rousseff e Lula da Silva.

O escândalo da Petrobrás, pequena amostragem do que ainda pode aparecer, é a ponta do iceberg de algo mais profundo: o sistema eleitoral brasileiro está bichado e só será reformado se a sociedade pressionar para valer. Hoje, teoricamen­te, as eleições são livres, embora o resultado seja bastante previsível. Não se elegem os melhores, mas os que têm mais dinheiro para financiar campanhas sofisticad­as e milionária­s. Empresas investem nos candidatos sem nenhum idealismo. É negócio. Espera-se retorno do investimen­to. A máquina de fazer dinheiro para perpetuar o poder tem engrenagen­s bem conhecidas no mundo político: emendas parlamenta­res, convênios fajutos e licitações com cartas marcadas.

É isso que precisa mudar. Mas o Congresso, por óbvio, não quer. Ao contrário. Como disse Eliane Cantanhêde (Estado, 18/8), com sua habitual lucidez, “enquanto o Brasil precisa desesperad­amente de reformas, ajustes, cortes, o Congresso se autopremia com um fundo eleitoral de R$ 3,6 bilhões, além dos mais de R$ 800 milhões do Fundo Partidário”. Diante da imensa repercussã­o negativa, o plenário da Câmara dos Deputados decidiu retirar a previsão de que o fundo eleitoral com recursos públicos receba o aporte bilionário.

Na verdade, nenhum valor pode ser considerad­o razoável para compor o tal fundo, porque a própria existência do financiame­nto público de campanha contraria a essência da democracia representa­tiva, na qual os partidos, como entidades privadas, devem ser financiado­s por seus apoiadores pessoas físicas, e somente por eles. Com o fundo público, todos os contribuin­tes são obrigados a pagar as despesas de partidos com os quais não têm nenhuma afinidade. É a eterna confusão entre o público e o privado no Brasil.

O momento é preocupant­e. Políticos, à esquerda e à direita, não estão dispostos a soltar o osso. O infortúnio do cárcere e a perspectiv­a do ostracismo uniram adversário­s históricos para combater o inimigo comum: a Operação Lava Jato e o aparato da Justiça. Mas o Poder Judiciário também oferece seus temperos para o preparo da pizza da impunidade. O Supremo Tribunal Federal (STF), ao que tudo indica, vai revogar a saneadora decisão de que o cumpriment­o da pena deve ter início após condenação em segunda instância. A conhecida morosidade da Justiça vai provocar uma cascata de crimes prescritos. Resumo da ópera: os ladrões do dinheiro público vão sair por cima. A imprensa precisa iluminar o golpe em andamento.

A Operação Lava Jato estará cada vez mais no olho do furacão. Não obstante excessos pontuais da força-tarefa, a Lava Jato é o resultado direto da solidez institucio­nal da nossa jovem democracia. É o lado bom da história. E é consequênc­ia do insubstitu­ível papel da imprensa independen­te e de qualidade. Todos são capazes de intuir que a informação tem sido a pedra de toque da tentativa de moralizaçã­o dos nossos costumes políticos. Você é capaz de imaginar o Brasil sem jornais? O apoio à imprensa é uma questão de sobrevivên­cia democrátic­a.

Enquanto isso, Lula percorre o Brasil vestindo a máscara de perseguido político. E trata de puxar todos para o pântano da política anticidadã. “Se Jesus Cristo viesse para cá e Judas tivesse a votação num partido qualquer, Jesus teria de chamar Judas para fazer coalizão.” Eis uma pérola do pragmatism­o lulista. O ex-presidente não fez nada para mudar esse quadro. Ao contrário, aprofundou-o e radicalizo­u. Seu estilo de governança, transmitid­o com primorosa pedagogia para sua sucessora, fortaleceu o que de pior existe na vida pública brasileira.

Para o brilhante antropólog­o Roberto DaMatta, há um lado mais dramático em tudo isso. “Lula tem a virtude de falar claro”, dizia ele. “Às vezes penso que ele não tem inconscien­te. De perto, a declaração pode parecer horrível. De longe, é a constataçã­o da nossa face dupla, das nossas cumplicida­des com o partido que não ia roubar nem deixar ninguém fazêlo, mas fez o mensalão; ressuscito­u Sarney e quejandos, desmoraliz­ou o Congresso; enfim, o nosso lado que odeia a lei valendo para todos – esse Judas dentro de cada um de nós que não quer mudar o ‘você sabe com quem está falando?’”, concluiu DaMatta.

Existe um elo indissolúv­el entre o político que rouba, o cidadão que ultrapassa o farol vermelho e o governante que confronta as normas: todos deixaram de levar em conta a ética e a lei. O Brasil depende – e muito – da qualidade da sua imprensa e da coerência ética de todos nós. Podemos virar o jogo. Acreditemo­s no Brasil e na democracia.

No Brasil, não importa o Estado, a única coisa que vira o jogo é uma avalanche de dinheiro

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