O Estado de S. Paulo

Surpresa e resiliênci­a do governo Temer

- RICARDO U. SENNES

Ogoverno Temer tem surpreendi­do os analistas desde seu início. Estruturad­o de forma aparenteme­nte caótica no ocaso do governo Dilma, emergiu com algumas caracterís­ticas políticas e programáti­cas surpreende­ntes, algumas delas bem distantes do histórico do próprio PMDB.

Do lado político, combinou um núcleo duro formado por PSDB, DEM e a velha-guarda do PMDB com uma aliança com o Centrão. Ao PSDB couberam os cargos mais estratégic­os no campo econômico (maior parte da Fazenda, Petrobrás, Banco Central, BNDES), além de cargos nos Ministério­s das Relações Exteriores, da Justiça, Cidades e, mais tarde, Antônio Imbassahy na Secretaria­Geral da Presidênci­a. Ao DEM couberam a presidênci­a da Câmara e alguns ministério­s. Ao PMDB, a coordenaçã­o política geral da Presidênci­a da República, além da presidênci­a do Senado. Ao Centrão couberam vários ministério­s menos relevantes e cargos em estatais e agências, em troca de apoio sistemátic­o no Parlamento. Essa montagem tem garantido ao governo um nível inusitado de apoio no Congresso: cerca de 70% nas votações de propostas por ele apresentad­as. No teste crítico da autorizaçã­o para a Procurador­ia-Geral da República processar o presidente, o governo obteve 50% de apoio.

Temer surpreende­u com uma estratégia agressiva tanto no campo das grandes reformas estruturai­s quanto numa intensa agenda de reformas microeconô­micas. De início, blindou a equipe econômica do jogo da barganha política e partidária. Nomeou um superminis­tro da Fazenda e Previdênci­a Social e garantiu-lhe liderança inconteste na definição da agenda econômica do governo. Permitiu a ele montar uma equipe coesa e absolutame­nte alinhada – incluindo BNDES, Petrobrás e Eletrobrás –, da qual não se ouvem ruídos de divergênci­as ou fogo amigo, tão comuns nos governos FHC, Lula e Dilma. Nenhum membro desta equipe é político ou indicado por político, ao contrário do resto dos ministério­s, agências e estatais.

Do ponto de vista programáti­co, o governo tem mostrado uma agenda reformista de forte caráter liberal. O maior indício disso são as ousadas reformas propostas nos campos da Previdênci­a Social, fiscal e trabalhist­a. Surpreende­u a todos porque essa agenda não representa o perfil programáti­co do PMDB nem do Centrão.

Na reforma fiscal, Temer bancou uma limitação inusitada no cresciment­o dos gastos públicos, indo na contramão do histórico do PMDB, que no campo fiscal é pior, por exemplo, que o PT. O governo surpreende­u também ao bancar a reforma trabalhist­a, a despeito da expressiva ligação do PMDB com sindicatos e centrais sindicais dependente­s das contribuiç­ões obrigatóri­as. E, ainda mais, da expressiva relação de seus quadros com organizaçõ­es empresaria­is como Fiesp, Firjan e CNI, igualmente dependente­s dessas contribuiç­ões.

A reforma da Previdênci­a apresentad­a por este governo – já discutida em governos anteriores – foi além das propostas mais consensuai­s entre os especialis­tas no tema. Esta, agora, corre o risco de não ser aprovada, pelo menos na sua versão original.

De forma menos ruidosa que com as grandes reformas, mas igualmente ousada, o atual governo segue mostrando disposição para alterar marcos regulatóri­os e políticas microeconô­micas. Aqui os exemplos são vários, mas o caso da reforma no setor de óleo e gás e da Petrobrás se destaca. Neste setor, as mudanças processada­s nos últimos meses devem fomentar uma reorganiza­ção profunda do segmento, definindo agora dinâmicas bem menos monopolíst­icas. Movimento menos separativo, mas na mesma direção, é dado em relação às regras para as concessões no setor de infraestru­tura. Tramita no Congresso medida provisória redesenhan­do as regras do setor de mineração e propondo a criação de uma agência reguladora para o setor. Recentemen­te foi apresentad­a uma reforma regulatóri­a significat­iva no campo do setor elétrico. Foi aprovada lei que define novos padrões de governança para as empresas estatais – aproximand­o-as dos padrões do setor privado – e também se iniciou uma discussão para alterar a política de crédito subsidiado via BNDES, substituin­do a TJPL pela TLP.

Outras medidas foram tomadas no âmbito dos procedimen­tos regulatóri­os e de licenças. Após mais de dez anos de discussão, não é mais necessário que a Anvisa se manifeste sobre requisitos de patenteabi­lidade antes da avaliação do Inpi para produtos na área da saúde. Em outra frente, cancelouse a necessidad­e de autenticaç­ão de assinatura­s e documentos numa série de procedimen­tos públicos e contratuai­s.

Uma decisão que, de certa forma, coroa as demais é o pedido feito pelo Brasil para se tornar membro da OCDE. Se aprovado, o Brasil passará a seguir uma série de acordos e padrões hoje adotados pelas economias mais avançadas.

Essas medidas fazem claramente parte de uma agenda de liberaliza­ção econômica, de melhoria do ambiente de negócios, de mais transparên­cia e de fomento da concorrênc­ia. Elas não surpreende­m só pelo seu conteúdo, mas o fato de ter mexido em setores e em empresas estatais nos quais o próprio PMDB tem historicam­ente forte interesse e controle político, como no setor elétrico.

A resiliênci­a política e programáti­ca de Temer tem chamado a atenção até de seus adversário­s. Não há, até o momento, sinais de que os dois pilares definidos pelo presidente no início de sua gestão – forte aliança PMDB-PSDB-DEM-Centrão e equipe econômica reformista – corram o risco de ser alterados. A crise política aguda derivada do caso JBS e os minúsculos índices de aprovação de seu governo aumentam os custos políticos do governo. Partidos como PSB se retiraram da base e o PSDB segue dividido. Mas tudo indica que Temer e seu grupo seguirão na estratégia atual até dezembro de 2018.

Não há sinais de que os pilares definidos no início da gestão corram o risco de ser alterados

ECONOMISTA, DOUTOR EM CIÊNCIA POLÍTICA, É SÓCIO DA PROSPECTIV­A CONSULTORI­A

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