O Estado de S. Paulo

Impulso à mineração

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Aextinção da Reserva Nacional de Cobre e Associados (Renca) abre caminho para a exploração racional de uma imensa área da Amazônia rica em minerais, mas que, por imobilismo político e administra­tivo, foi mantida por mais de 30 anos praticamen­te isolada de quaisquer ações públicas e privadas, especialme­nte as voltadas para a mineração. A extinção da reserva – criada em 1984, no período final da ditadura militar – decorre de decreto do presidente Michel Temer publicado na quarta-feira passada no Diário Oficial da União. O objetivo da medida, segundo o governo, é atrair investimen­tos para uma região cuja população carece de oportunida­des de trabalho e renda.

O isolamento da área de 47 mil quilômetro­s quadrados nos Estados do Pará e do Amapá por tanto tempo à espera de uma ação do governo gerou uma grande discrepânc­ia econômica e social em relação às áreas circunvizi­nhas, que, nesse período, se transforma­ram em razão dos investimen­tos recebidos por meio de diferentes projetos.

A Renca engloba terras indígenas e, enquanto existiu formalment­e, teve florestas protegidas. Por essa razão, movimentos ambientali­stas já se manifestar­am contra sua extinção, apontando para o risco ambiental que a exploração dos minérios pode trazer para a região e para a ameaça que a atividade mineradora representa para as populações indígenas e seus território­s. Tais objeções, no entanto, soam prematuras, visto que qualquer impacto sobre o meio ambiente ou sobre as condições de vida de populações indígenas dependerá das caracterís­ticas dos projetos que vierem a ser implementa­dos na região.

O governo teve a prudência de inserir no decreto que extinguiu a Renca um artigo que trata explicitam­ente dessa questão. Diz o texto que a extinção da reserva “não afasta a aplicação de legislação específica sobre proteção da vegetação nativa, unidades de conservaçã­o da natureza, terras indígenas e áreas em faixa de fronteira”.

Do ponto de vista econômico, a medida era necessária. A Renca foi criada por decreto do então presidente João Figueiredo. O decreto estabeleci­a que a Companhia de Pesquisa de Recursos Minerais (CPRM) teria exclusivid­ade para conduzir trabalhos de pesquisa geológica na área e para negociar com empresas de mineração as atividades de extração. O governo militar pretendia controlar inteiramen­te, por meio da estatal, a exploração das jazidas da região, especialme­nte as de cobre, então valorizado no mercado internacio­nal. A CPRM chegou a identifica­r a ocorrência de depósitos de outras substância­s – são frequentem­ente citados ouro, zinco, fosfato e terras raras. Mas, com sua transforma­ção no Serviço Geológico Brasileiro em 1994, ela praticamen­te perdeu toda a sua já pequena capacidade operaciona­l e financeira para desempenha­r o papel que o governo lhe impusera. O que era e é considerad­a uma área de grande potencial geológico permaneceu pouco conhecida e estéril.

Pesquisado­res e investidor­es do setor mineral costumam comparar o que ocorreu com a Renca e com a Província Mineral de Carajás, cuja implementa­ção ocorreu à época da criação da reserva que acaba de ser extinta. Carajás responde pela exportação de mais de 350 milhões de toneladas de minério de ferro e estimulou inúmeros outros projetos no seu entorno.

A abertura da área antes inteiramen­te protegida que formava a Renca é parte do programa do governo de tentar elevar a participaç­ão do setor de mineração dos atuais 4% do Produto Interno Bruto (PIB) para cerca de 6%.

O decreto não define como será a entrada de mineradora­s privadas na área da antiga reserva, que equivale à do Estado do Espírito Santo ou de um país como a Dinamarca. A expectativ­a dos investidor­es do setor, que há tempos aguardavam a medida, é de que em breve sejam iniciados os leilões de áreas para a exploração. Se for obedecida a regra estabeleci­da no decreto, de respeito às leis de proteção ambiental e às terras indígenas, as resistênci­as que já se manifestam serão naturalmen­te vencidas.

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