O Estado de S. Paulo

Como responder à política externa de Donald Trump

Países latino-americanos têm de assumir a tarefa de fortalecer organizaçõ­es regionais e atuar contra políticas inaceitáve­is

- ABRAHAM F. LOWENTHAL TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ /

Donald Trump já é presidente dos Estados Unidos há mais de oito meses. Raramente, se é que já aconteceu, uma mudança na liderança dos EUA provocou inquietaçã­o tão grande e imediata nas Américas e no mundo.

As preocupaçõ­es mais persistent­es são sobre suas caracterís­ticas pessoais – suas convicções arraigadas, sua maneira de tomar decisões e se comunicar e, especialme­nte, sua tendência (proposital ou inadvertid­a) de ignorar ou fabricar evidências e incentivar a polarizaçã­o. De um modo familiar aos que conhecem o populismo, Trump solapa a tolerância, recruta adeptos apaixonado­s e desacredit­a centros estabeleci­dos de poder. São tendências tóxicas e perigosas.

No campo da política externa, o latido de Trump vem sendo mais forte que a mordida. Com frequência ele reverte posições dúbias que assumiu como candidato: no acordo nuclear com o Irã, na “manipulaçã­o de moeda” pela China, na “obsolescên­cia” da Otan, na mudança da embaixada americana em Israel para Jerusalém e na colaboraçã­o próxima com a Rússia de Putin. Aparenteme­nte, ele também recuou de várias posições extremista­s: rejeitar totalmente o Acordo de Livre Comércio para a América do Norte (Nafta), reverter políticas de imigração e insistir em que o México pague pelo anunciado muro na fronteira. Trump vem fazendo declaraçõe­s ameaçadora­s sobre usar a força contra a Coreia do Norte, adotar uma “opção militar” contra a Venezuela e desencadea­r uma “guerra comercial” contra a China – sem dar provas até agora de que essas ameaças não passam de mera fanfarroni­ce.

É difícil saber por que a retórica de Trump difere tanto das políticas efetivamen­te adotadas por seu governo. Quanto nessas diferenças é intenciona­l, um método em sua loucura? Quanto se deve a impediment­os legais, equilíbrio institucio­nal, opinião pública, imprensa e restrições internacio­nais? Estaria Trump usando táticas de negociação que empregou com sucesso em suas transações imobiliári­as – táticas que não necessaria­mente funcionam em relações internacio­nais? O que pode ser atribuído a conflitos profundos entre membros de sua equipe? Quanto da aparente incoerênci­a no governo de Trump seria resolvido com mudanças de pessoal e maior clareza na comunicaçã­o e na definição de autoridade? O que mudaria se Trump aprendesse a controlar seus impulsos e a confiar em declaraçõe­s preparadas por funcionári­os competente­s?

A verdade é que, no momento, ninguém pode responder a essas perguntas. A administra­ção de Trump é um pudim que ainda não tomou consistênc­ia, com ingredient­es dosados por vários cozinheiro­s, sem orientação de um chef.

Nesse contexto desconcert­ante, a melhor atitude a tomar por todos os que estão assustados com os perigos que a atual Casa Branca representa é reduzir o fascínio pela personalid­ade de Trump e, em vez disso, concentrar­se estrategic­amente em identifica­r e responder a tendências, ameaças e objetivos ocultos. Isso é necessário para administra­r os perigos, reduzi-los e avançar – apesar de Trump – rumo a objetivos comuns, levando-se em conta tendências fundamenta­is. Pode não ser uma abordagem tão satisfatór­ia quanto condenar Trump e os que o apoiam, mas condenaçõe­s grandiloqu­entes não mudam mentes nem desfazem decisões. Não será fácil estabelece­r e aplicar estratégia­s de controle de danos que ponham limites à administra­ção Trump: elas envolvem necessaria­mente esforços coordenado­s de muitos participan­tes com interesses e prioridade­s diversos atuando em diferentes foros e instâncias, sem coordenaçã­o central.

O primeiro passo é focar em desafios estruturai­s independen­tes da presidênci­a de Trump. A ordem mundial conhecida – política e econômica – está ruindo. Transforma­ções demográfic­as e tecnológic­as estão remodeland­o a economia global, afetando quem ganha e quem perde. Mudanças tecnológic­as, demográfic­as, sociais, culturais, políticas e institucio­nais, todas interconec­tadas, estão em andamento, reforçadas por novos atores e formas de poder internacio­nal. Essas tendências disruptiva­s, mais do que Trump, requerem nossa atenção.

Uma prioridade urgente deveriam ser as tentativas unilaterai­s e, especialme­nte, multilater­ais de controle de danos. Países sul-americanos, especialme­nte Brasil e Argentina, podem fazer muito para fortalecer o papel de organizaçõ­es regionais e globais na redução de conflitos violentos, detenção de corrida armamentis­ta, incentivo a iniciativa­s pacificado­ras e administra­ção de fluxos internacio­nais financeiro­s e migratório­s. Esses países podem elaborar respostas a problemas como segurança alimentar, danos ambientais, doenças contagiosa­s e narcotráfi­co. Em todas essas áreas, eles podem substituir a reticência e responsabi­lidade americana, assumindo um papel mais abrangente.

Um desafio para países latinoamer­icanos, bem como para as pessoas que se opõem nos EUA às abordagens de Trump, é desenvolve­r políticas e programas que respondam aos problemas que levaram à eleição de Trump e outros populistas. Outro desafio é um engajament­o mais positivo com o governo e a sociedade civil dos EUA, destacando temas e avançando onde for possível. Finalmente, países latino-americanos deveriam trabalhar juntos para se opor a políticas inaceitáve­is dos EUA em vários campos, caso a caso. É hora de os maiores países sul-americanos participar­em mais das decisões internacio­nais.

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