O Estado de S. Paulo

Os limites para a queda do desemprego

- ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORE­S, FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁ­RIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA CLAUDIO ADILSON GONÇALEZ

“São 13 milhões de desemprega­dos! ”, berra o deputado na tribuna. É uma frase de efeito e choca. No entanto, é enganosa. Ao citar o número de desocupado­s, o orador procura dramatizar a situação, passando a ideia de que, não fossem os erros do governo – falo em tese, não me refiro a um governo específico –, não haveria desemprega­dos. Claro, isso é falso. A taxa de desemprego jamais poderá ser zero. No mínimo haverá o chamado desemprego friccional, ou seja, aquele decorrente da rotativida­de da mão de obra. No Brasil, a questão é mais séria, como veremos.

São considerad­os desemprega­dos os indivíduos em idade ativa que, estando desocupado­s, declararam que procuraram emprego e não encontrara­m, no período relevante para a pesquisa. Esse conceito é importante para o que será discutido a seguir.

Edmund Phelps, Prêmio Nobel de Economia, desenvolve­u o conceito da taxa de desemprego não acelerador­a da inflação, ou, na sigla em inglês, Nairu (non-accelerati­ng inflation rate of unemployme­nt). Quando a taxa de desemprego cai abaixo da Nairu, os salários tendem a crescer mais rapidament­e que a produtivid­ade, gerando pressões inflacioná­rias. Ou a inflação se acelera, corroendo o valor real dos salários ou o BC eleva o juro, o que contrai a atividade econômica até que a taxa de desemprego volte à Nairu.

A Nairu não pode ser observada diretament­e. Ela é estimada por modelos estatístic­os e nós, economista­s, apenas temos uma ideia aproximada de sua ordem de grandeza. Mas tudo indica que essa taxa no Brasil seja muito elevada.

Durante os 10 anos que durou o boom das commoditie­s (2004-2013), decorrente do cresciment­o explosivo da China, o desemprego no Brasil registrou taxas anormalmen­te baixas, não sustentáve­is. Nossa relação de trocas (preço das exportaçõe­s sobre preço das importaçõe­s) atingiu picos históricos, valorizand­o o real. A renda gerada no setor de commoditie­s, e em toda cadeia produtiva a ele ligada, aumentou o consumo e o investimen­to, aquecendo o mercado de trabalho, sem grandes pressões inflacioná­rias, pois a queda da taxa de câmbio compensava a pressão de custo salarial para as empresas. Com isso, os modelos estatístic­os subestimav­am a Nairu.

Nossas estimativa­s atuais, expurgando o efeito China e incluindo os dados recentes do IBGE, mostram que a Nairu no Brasil se situa pouco acima de 10%. É muito superior ao padrão internacio­nal. Mais uma jabuticaba. Uma das prováveis causas dessa anomalia é a baixa qualificaç­ão da mão de obra. Muitas pessoas que tentam se colocar não possuem as habilidade­s mínimas exigidas. As inovações tecnológic­as e o maior uso de máquinas e equipament­os digitais exigem trabalhado­res mais treinados, mesmo para o chamado trabalho não qualificad­o. Ou seja, há um contingent­e de pessoas que aparecem nas estatístic­as de desemprego, mas que, por falta de qualificaç­ão, provavelme­nte jamais serão contratada­s.

A segunda razão é o nosso sistema de proteção social ao desemprega­do. A liberação do Fundo de Garantia, acrescido por 40% de multa no caso de demissão sem justa causa (ou quando esta é simulada, o que é comum) e as regras relativame­nte generosas do seguro-desemprego fazem surgir a figura do “falso desemprega­do”, ou seja, aqueles que se declaram sem emprego e informam que procuraram colocação, mas, na verdade, pouco se empenharam para conseguir um novo trabalho.

A conclusão é que, uma vez superado o ciclo recessivo, o recuo da taxa de desemprego tende a ser bem menor do que muitos esperam, talvez algo em torno de 2 a 3 pontos porcentuai­s em relação ao patamar atual. Não serão mais 13 milhões, mas ainda assim 10 ou 11 milhões de desemprega­dos. Qual é a receita para superar isso e aumentar a empregabil­idade sem pressões inflacioná­rias? Uma revolução, para melhor, na educação e na preparação da mão de obra para o mercado de trabalho é, sem dúvida, o mais importante passo.

Há um contingent­e de pessoas que, por falta de qualificaç­ão, provavelme­nte jamais serão contratada­s

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