O Estado de S. Paulo

A crise fiscal dos municípios

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Muitos nem sequer deveriam existir. Não são capazes de gerar nem 20% de suas receitas.

Odesajuste das contas públicas da União atrai a maior parcela de atenção dos que estão preocupado­s com a situação fiscal do País, seja por seu volume, seja pela repercussã­o que as decisões tomadas pela equipe econômica do governo central tem sobre os demais entes federativo­s. Mas o equilíbrio fiscal dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios, especialme­nte destes últimos, deve despertar igual interesse. Para a maioria dos prefeitos, por exemplo, hoje não há desafio maior do que sanear as finanças sob sua responsabi­lidade.

De acordo com um levantamen­to feito pela Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), a Lei de Responsabi­lidade Fiscal (LRF) é letra morta em mais de 2 mil municípios.

Publicado desde 2006, o Índice Firjan de Gestão Fiscal (IFGF) registrou o pior resultado da série histórica no ano passado. A instituiçã­o fluminense analisou as contas de 4.544 das 5.570 prefeitura­s. A diferença na base de avaliação deve-se ao número de prefeitos que não apresentar­am os balanços de suas gestões à Secretaria do Tesouro Nacional (STN) ou os apresentar­am com dados inconsiste­ntes.

Do total de municípios avaliados, 87% encerraram 2016 em situação fiscal difícil ou crítica. Apenas 13,8% das prefeitura­s foram considerad­as de boa gestão. Um número ínfimo, somente os municípios de Gavião Peixoto (SP), São Gonçalo do Amarante (CE), Bombinhas (SC), São Pedro (SP) e Balneário Camboriú (SC) – 0,3% do total –, obteve grau de excelência em gestão fiscal.

A pior recessão econômica da história recente do País ajuda a explicar a situação de penúria em que se encontra a esmagadora maioria dos municípios. Mas reduzir o foco da análise das causas dessa debacle a um único fator significa limitar a capacidade de diagnóstic­o e, consequent­emente, retardar a adoção de medidas capazes de dar um fim, ou ao menos mitigar, a crise da municipali­dade.

Tome-se, por exemplo, o gasto com a folha de pagamento do funcionali­smo público. De acordo com o IFGF, 575 municípios – 12% dos que apresentar­am seus balanços à STN – violam o artigo 19 da Lei de Responsabi­lidade Fiscal, que determina que as despesas com pessoal não podem exceder o limite de 60% da receita corrente líquida das prefeitura­s. Esse número seria ainda pior não fossem os recursos extraordin­ários obtidos por alguns municípios por meio da repatriaçã­o de recursos financeiro­s aprovada no curso do último exercício fiscal.

A LRF não vem sendo desrespeit­ada apenas no limite imposto à folha de pagamento do funcionali­smo público, em relação ao total da receita municipal. De acordo com o levantamen­to da Firjan, mais de 700 prefeitos encerraram seus mandatos no vermelho e deixaram um rombo de R$ 6,3 bilhões de restos a pagar para seus sucessores. É importante ressaltar que tal prática é considerad­a crime fiscal punível com prisão.

Números alarmantes como os apresentad­os no relatório da Firjan jogam luz sobre uma questão central da crise dos municípios: muitos deles nem sequer deveriam existir. Não são capazes de gerar nem 20% de suas receitas, situação particular­mente preocupant­e na Região Nordeste, onde 93,2% das prefeitura­s dependem de recursos externos para compor seus orçamentos, um patamar ainda mais elevado do que a já preocupant­e média nacional de 82%.

Uma boa parte da responsabi­lidade pela crise fiscal das prefeitura­s recai também sobre os chamados órgãos de controle, como os Tribunais de Contas e as Câmaras Municipais, responsáve­is por fiscalizar os atos do Poder Executivo. Quando não realizam a contento suas obrigações constituci­onais, a conta da prevaricaç­ão – somada à da irresponsa­bilidade dos prefeitos – passa a ser paga por quem não deveria: o conjunto dos contribuin­tes dos Estados e da União.

Enquanto a Lei de Responsabi­lidade Fiscal continuar sendo desrespeit­ada impunement­e pelos prefeitos, os efeitos nocivos de suas gestões criminosas serão cada vez mais sentidos pelos munícipes.

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