O Estado de S. Paulo

A Coreia do Norte é, definitiva­mente, uma potência nuclear

- Roberto Godoy

As notícias são as piores. A bomba de hidrogênio da Coreia do Norte funciona. E o míssil de longo alcance feito para transporta­r a carga de ataque voa com precisão, é capaz de chegar ao território continenta­l dos EUA. Até julho de 2018 os especialis­tas do Instituto de Armas Nucleares de Pyongyang terão pronto o veículo de reentrada, a sofisticad­a cápsula que conduz as ogivas explosivas para seus alvos, no retorno à atmosfera depois do trajeto orbital. Com esse recurso, os Hwasongs poderão atingir pontos estratégic­os do Hemisfério Norte. Depois do teste subterrâne­o de ontem, responsáve­l por uma onda sísmica que deu a volta ao mundo e foi detectado na sede da Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA), em Viena, o quadro mudou. O ensaio deixou claro o domínio dos processos tecnológic­os e dos procedimen­tos de engenharia. A Coreia do Norte é, sim, uma nova e definitiva potência nuclear – com ou sem Kim Jong-un no poder.

O experiment­o nas montanhas de quartzito de Punggye-ri pode ter liberado energia total de 100 a 120 quilotons, muito mais que os 8 a 10 quilotons registrado­s na detonação de 2013 e acima de 6, talvez até 8 vezes, além das bombas que atingiram as cidades japonesas de Hiroshima e Nagasaki, bombardead­as pelos EUA há 72 anos. Morreram 246 mil pessoas. Embora haja uma certa desconfian­ça formal quanto ao tipo de dispositiv­o empregado ontem, todos os indícios apontam para um artefato compacto, de hidrogênio, termonucle­ar – ou seja, gerador de uma onda de calor que supera, no núcleo, os 2 milhões de graus – na extremidad­e do círculo chega aos 20 mil graus. É a mesma fonte que faz as estrelas brilharem e mantém a fornalha do sol. O poder de destruição é violentame­nte maior que o das armas de urânio. O mecanismo de iniciação da carga de hidrogênio é a explosão de uma bomba atômica equivalent­e às lançadas no Japão em 1945. O combustíve­l é o hidrogênio. Dois isótopos encontrado­s no núcleo desse elemento, o deutério e o trítio, são fundidos pelo intenso calor inicial. Disso resulta o hélio-4, muito mais pesado. A multiplica­ção instantâne­a causa efeito devastador.

Há enormes dificuldad­es técnicas a serem superadas no empreendim­ento. A miniaturiz­ação da bomba é a principal barreira e tem de ser vencida para permitir a instalação na ponta de um míssil. O protótipo americano do início dos anos 50, era uma bola metálica que media 1,63 metro de diâmetro e pesava pouco menos de 5 toneladas. Na Coreia do Norte, há poucos meses, Kim Jong-un foi fotografad­o diante da maquete de uma esfera – pequena, mas não o suficiente. E com toda a aparência de um produto experiment­al, de laboratóri­o, não funcional. Ontem de manhã as imagens do ditador visitando o centro de pesquisas mostraram outra realidade: maquetes industriai­s de diversos invólucros, compatívei­s com os conceitos da engenharia nuclear, tubos da fuselagem de mísseis confeccion­ados em ligas especiais de baixo peso e alta resistênci­a.

A mudança de patamar das formidávei­s Forças Armadas sob comando de Kim – 1,1 milhão de homens e mulheres no Exército, cerca de 900 mísseis de curto e médio alcance – deve ser considerad­a pela Casa Branca sob Donald Trump. O Centro de Estudos Estratégic­os de Washington considerou ontem “a atitude do momento”, o estímulo às negociaçõe­s por meio da China, com o objetivo de obter certa distensão no curto prazo na região, onde prospera a ameaça de uma possível ação militar preventiva.

Há dois grupos de batalha da Marinha, liderados por porta-aviões nucleares, prontos para entrar no Mar do Japão, levando 90 aeronaves cada um, mais os cruzadores e destróiere­s da força-tarefa. Em Seul, o presidente Moon Jae-in admitiu há dois dias a existência de um discreto programa de mísseis. Ao norte, o noticiário da noite, em Pyongyang, voltou a dizer que nos próximos dias haverá um noo teste com mísseis balísticos da série 12. Objetivo assumido: a Ilha de Guam, a 3,4 mil km, sede de duas bases dos EUA.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil