O Estado de S. Paulo

AFONSO RIBEIRO

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“Não existe subsídio nenhum nesse tipo de financiame­nto. A taxa de juros nos Estados Unidos para 30 anos é de 3%, 4%, no máximo. Aqui, é de 10%. Como dizer que isso é subsídio?” Essa defesa explícita da Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), sustentada por Gustavo Franco em 2004, alinha-se ao que temos defendido em artigos recentes.

No país das incoerênci­as, porém, não surpreende a repentina mudança de opinião do autor. Em artigo recente neste jornal, Franco passou a considerar “nefasto” todo tipo de crédito a juros inferiores à Selic, de curto, médio ou longo prazos. E está convencido sobre a verdade oficial que criou a Medida Provisória (MP) 777, que tem por objetivo extinguir a TJLP. Mas não percebeu que a MP do governo, muito ao contrário, mantém a TJLP para todos os casos previstos em lei, além de criar mais uma equalizaçã­o com base nessa taxa, que continuará sendo a referência para o obscuro cálculo do subsídio dos fundos constituci­onais. A Taxa de Longo Prazo (TLP), vinculada à Selic, criada pela medida, vale ao BNDES, que aumentará, assim, os juros do financiame­nto dos investimen­tos produtivos a longo prazo.

Enquanto uma poderosa máquina de emitir dinheiro criada em 2008 pela Lei 11.803 vai muito bem, obrigado, permitindo viabilizar um déficit primário alarmante, o que importa, para alguns, é fazer barulho para a plateia mirando o canhão para o crédito do Fundo de Amparo ao Trabalhado­r (FAT).

Se a Medida Provisória 777 não acabar com o BNDES, certamente provocará perda de sua capilarida­de no sistema financeiro. O encolhimen­to inevitável e significat­ivo de operações indiretas efetuadas pelos agentes financeiro­s acontecerá quando o custo de captação do banco aumentar.

Franco não toca nas emissões de dívida em favor do BNDES ocorridas entre 2008 e 2014, verdadeiro mal a ser atacado. Cerca de meio trilhão de reais, em valores da época. O Tesouro captava dinheiro à taxa Selic, repassava para o banco, que repassava a taxas menores às empresas e programas definidos pelos governos Lula e Dilma. É esse o problema a ser enfrentado. Todo o incipiente debate atual sobre a regra de ouro só nos mostra uma coisa. A regra, por mais que seja bem desenhada, não garante investimen­tos com qualidade financeira. Mas no país onde a lei é atraída pela contabilid­ade criativa, nada se muda no atual arcabouço, que continuará permitindo emissões de títulos em favor de bancos públicos sem constar do Orçamento.

Mas toda a atenção se concentra em torno do FAT e suas aplicações no BNDES, aliás, estabeleci­das pela Constituiç­ão, que determina que 40% dos recursos arrecadado­s pelo fundo a cada ano sejam destinados a elas. O banco cobra pelos seus empréstimo­s oriundos do FAT a TJLP, criada nos primeiros anos do Plano Real.

O governo, endossado por Franco, afirma que o crédito subsidiado do BNDES com dinheiro do FAT provoca perda de potência da política monetária do Banco Central. Ou seja, acabe-se com a TJLP que a Selic poderá ser menor. Anunciam a tese, mas não fazem nenhuma simulação empírica. Não sabem, ou escondem, que as concessões de crédito com recursos do FAT representa­ram em 2016 apenas 1,5% do crédito total da economia! Se o estoque de crédito for parâmetro, também revela a reduzida participaç­ão do FAT no total: 7%.

Querem atingir a principal fonte de financiame­nto para investimen­tos no Brasil. Por que não assumem que o real objetivo da tal TLP é passar a chave no BNDES e jogá-la fora?

É importante lembrar que o Programa de Sustentaçã­o de Investimen­tos (PSI) do BNDES não foi programa do FAT, mas dos governos petistas, sendo as condições dos empréstimo­s decididas pelo Conselho Monetário Nacional (CMN) e pelo Banco Central, cujo presidente era o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles. Aliás, boa parte do crédito direcionad­o correspond­e a operações imobiliári­as e agrícolas, tudo definido pelo CMN. O FGTS continua recebendo juros do Tesouro sobre um estoque de mais de R$ 200 bilhões em títulos, para que se paguem despesas tipicament­e primárias sem passar pelo Orçamento. Contabilid­ade criativa. Mas isso não importa. Afinal, o que são R$ 12 bilhões por ano?

O custo de oportunida­de do FAT, hoje, mesmo usando a metodologi­a da Fazenda, consideran­do TJLP em 7% e a Selic livre de Imposto de Renda em 7,9%, é de 0,9% ao ano. Insignific­ante diante de sua importânci­a. É inexplicáv­el que o governo ainda continue argumentan­do que a TLP vai gerar uma poupança de R$ 15 bilhões.

Franco ainda afirma nunca ter ouvido “bobagem” tão grande quanto a afirmação de que o conceito de custo de oportunida­de não se aplicaria livremente ao FAT. Mas bobagem, de fato, é ele não perceber que o subsídio deve ser calculado com base na taxa de mercado de longo prazo, se existir, e não no custo de captação do Tesouro.

Por último, é preciso ter presente que a substituiç­ão da TJLP pela TLP vai elevar a despesa pública primária, por causa da diferença entre a taxa tomada ao produtor rural e o custo de captação do BNDES. Cerca de 20% do crédito BNDES/FAT vai para a agricultur­a (dado do primeiro semestre deste ano) e o custo da equalizaçã­o por causa daquela diferença caberá ao Tesouro (exceto se subirem os juros cobrados da agricultur­a).

Enquanto isso, a equipe econômica vai cordialmen­te permitindo o aumento do déficit primário e da relação dívida/PIB. Mas que importa? Nesta semana o debate da MP 777 vai se encerrar no Senado sem que ao menos sejam conhecidos os números e as informaçõe­s essenciais pela sociedade. Era o que deveríamos ter evitado, obrigando a equipe econômica a enviar um projeto de lei tratando do assunto, em vez de recorrer à MP.

Se a MP 777 não acabar com o BNDES, o fará perder capilarida­de no sistema financeiro

ESPECIALIS­TAS EM FINANÇAS PÚBLICAS, SÃO, RESPECTIVA­MENTE, PROFESSOR DO IDP E ASSESSOR ECONÔMICO NO SENADO FEDERAL

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