O Estado de S. Paulo

Brasil e China, atraso e poder

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Futebol de um lado, dinheiro e tecnologia do outro: isso resume a maior parte dos atos assinados por brasileiro­s e chineses durante a visita do presidente Michel Temer a Pequim. Em quase todos os compromiss­os a China aparece como investidor­a e financiado­ra. A posição brasileira só é um pouco destacada no memorando de cooperação entre as confederaç­ões de futebol dos dois países. O Brasil, segundo dizem, tem maior domínio do assunto. Muitos bilhões de dólares em créditos e investimen­tos virão do outro lado do mundo, se metade dos bons propósitos for convertida em ações. Ao mesmo tempo, os chineses passarão a controlar alguns ativos importante­s, na área de infraestru­tura. Na melhor hipótese, haverá algum impulso ao cresciment­o nos próximos anos. Bom conjunto de negócios? Não dá para comemorar. Os atos assinados evidenciam muito mais que a desproporç­ão entre duas economias e remetem a uma deprimente história de erros do lado brasileiro.

Com todos os senões e ressalvas, a história da economia chinesa nos últimos 30 anos mostra a relevância de políticas baseadas em objetivos de longo prazo, em diagnóstic­os elaborados com realismo e numa busca persistent­e de modernizaç­ão, eficiência e competitiv­idade. O regime chinês pode ter feito alguma diferença, mas seria enorme tolice dar muito peso a esse fator. O realismo na formulação e na execução de planos econômicos foi acompanhad­o de igual sensatez na diplomacia comercial. Jogar na primeira divisão da economia global tem sido há muito tempo o evidente objetivo chinês e isso se reflete, com clareza, em sua política de comércio exterior.

No Brasil, eficiência, inovação e competitiv­idade foram raramente prioridade­s da política econômica – para tranquilid­ade e felicidade dos amantes do protecioni­smo sem prazo, dos subsídios e da acomodação. Protecioni­smo pode ter alguma utilidade como etapa de uma política de desenvolvi­mento. Convertido em prática rotineira, torna-se um compromiss­o com o atraso geral e com privilégio­s para os favoritos da corte.

Os piores vícios da política brasileira, na área econômica, foram potenciali­zados nos 13 anos do PT no governo federal. Foram agravados com irresponsa­bilidade fiscal, multiplica­dos com a distribuiç­ão de benefícios a grupos e setores favoritos, reforçados com o protecioni­smo e convertido­s em ópera-bufa com a implantaçã­o de uma diplomacia terceiro-mundista. Inepta como estratégia de desenvolvi­mento, essa diplomacia foi uma pitoresca mistura de ingenuidad­e e de malandrage­m. A ingenuidad­e foi sempre visível na escolha dos parceiros estratégic­os – numa parceria sempre sem reciprocid­ade, até na América do Sul. A malandrage­m foi seu uso como instrument­o de promoção de objetivos políticos pessoais e partidário­s.

No meio de um assustador conjunto de erros, o governo brasileiro renunciou a uma busca efetiva de comércio mais amplo, mais equilibrad­o e mais aberto com os mercados mais desenvolvi­dos, limitou o escopo de seus acordos comerciais e converteu o País em fornecedor de matéria-prima para o mercado chinês, numa relação semicoloni­al. Exceto como fornecedor de minérios e produtos agrícolas, o Brasil nunca foi parceiro prioritári­o para a China, mais empenhada na conquista dos mercados mais desenvolvi­dos.

O melhor resultado comercial obtido na visita presidenci­al, a promessa de ampliação dos frigorífic­os autorizado­s a exportar para a China, é parte do papel de fornecedor de produtos básicos. Não há nada errado em exportar matérias-primas. Há muita coisa errada, no entanto, em ficar limitado a esse papel, quando já se dispõe de uma ampla base industrial.

Fortalecer essa base com uma ampla política de eficiência, inovação e competitiv­idade deve ser objetivo deste e do próximo governo. Isso requer visão de longo prazo e uma concepção objetiva de interesses nacionais no cenário global. Os governos chineses têm agido, há muito tempo, com base nessa visão de interesses. Nenhum desses governos foi terceiro-mundista ou complacent­e com a ineficiênc­ia.

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