O Estado de S. Paulo

Mais cuidado com os inocentes

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Que a polícia tem de ser dura no combate ao crime todos estão de acordo. Os índices de criminalid­ade registrado­s na capital – embora tenham caído substancia­lmente nos últimos anos – ainda são muito elevados e o problema da segurança pública, aqui como no restante do País, continua sendo apontado pela população como um dos que mais a afligem. Mas esse sentimento e a espera, que o acompanha, de uma resposta enérgica e eficiente das autoridade­s não podem ser confundido­s com uma carta branca para a polícia extrapolar limites e contrariar regras que devem pautar suas ações.

Infelizmen­te foi isso que se viu na operação realizada pela Polícia Civil na noite de domingo, no bairro do Morumbi, para prender uma quadrilha de assaltante­s. A quadrilha deixou de existir, porque em confronto com policiais dez de seus integrante­s foram mortos. Quatro policiais tiveram ferimentos leves. Mas a vida dos moradores visados pelos assaltante­s e a de seus vizinhos foram colocadas em risco, o que é inaceitáve­l. O elevado número de mortos, muito acima do registrado comumente nesse tipo de ação, logo chamou a atenção.

Segundo os policiais do Departamen­to de Investigaç­ões Criminais (Deic), eles chegaram ao local em viaturas descaracte­rizadas, por volta das 19h30, quando a quadrilha já havia invadido uma mansão na Rua Puréus e dominado as pessoas que ali se encontrava­m – três mulheres e uma criança. Eles chegaram a quebrar parede para ter acesso a um cofre, onde estariam objetos de valor, e, quando perceberam a aproximaçã­o dos policiais, tentaram fugir.

O mínimo que se pode dizer é que foi temerário começar um tiroteio com os assaltante­s nessas condições. Afinal, segundo as informaçõe­s correntes, a polícia estava em perseguiçã­o da quadrilha desde as 13 horas. Não é possível que, no interregno, não houvesse oportunida­de de intercepta­r os bandidos sem riscos para a população inocente. Expor a perigo a vida daquelas quatro pessoas, na ânsia de prender logo os assaltante­s, não é o que se esperava de policiais bem treinados como devem ser os do Deic. O mesmo vale para o que aconteceu quando os bandidos já tinham fugido da mansão: três num carro que logo colidiu com um carro da polícia, dois que estavam a pé e mais cinco em outro carro, que partiu em direção contrária à do primeiro. Todos mortos no intenso tiroteio que se seguiu.

Tão intenso que alguns moradores das ruas Puréus e adjacentes disseram ter pensado tratar-se de fogos de artifício. Um deles calcula ter ouvido mais de 100 disparos. Um confronto desse porte, com bandidos bem armados, num bairro residencia­l, com o risco de pessoas saírem às ruas para ver o que estava acontecend­o, é algo incompreen­sível e inaceitáve­l da parte da polícia.

O fato de aquela ser uma quadrilha perigosa e responsáve­l por mais de 20 roubos a residência­s em bairros nobres da capital, especialme­nte Morumbi e Jardim Europa, e em condomínio­s de luxo na Grande São Paulo, como Cotia e Barueri, como afirma nota da Secretaria da Segurança Pública – o que foi confirmado pelo testemunho de moradores –, não justifica a falta de cuidado de uma ação como aquela, que podia ter feito vítimas entre pessoas inocentes, alheias ao tiroteio.

Não dar a devida atenção à segurança dos moradores da região é particular­mente grave, e ao mesmo tempo incompreen­sível, levando-se em conta que, como diz a mesma nota da Secretaria, a quadrilha foi investigad­a durante sete meses pelo Deic. É de supor, portanto, que tanto sua maneira de agir como as armas a que tinha acesso – foram apreendido­s quatro fuzis – eram de pleno conhecimen­to dos policiais. Ou seja, a polícia dispunha – ou deveria dispor, segundo todas as evidências – dos elementos necessário­s para planejar a operação de captura da quadrilha, evitando riscos à integridad­e física dos moradores. Afinal, o objetivo da operação era agir em favor deles.

Agora, só resta esperar que fatos como esse não voltem a se repetir. Mas para isso é preciso, em primeiro lugar, que as autoridade­s reconheçam que algo saiu errado.

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