O Estado de S. Paulo

Janot ameaça cancelar o acordo de delação da J&F

Lava Jato. Investigaç­ão vai apurar áudio em que Joesley e executivos citam ex-procurador; PGR vê indícios de crimes ‘gravíssimo­s’ e diz que benefícios aos delatores podem ser anulados

- Beatriz Bulla Fabio Serapião

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, determinou ontem a abertura de investigaç­ão que pode levar à rescisão do acordo de delação premiada de três dos delatores da J&F – Joesley Batista e os ex-executivos de seu grupo Ricardo Saud e Francisco de Assis Silva. A decisão foi tomada com base no áudio de uma conversa entre Joesley e Saud, entregue à Procurador­ia Geral da República (PGR), no dia 31 de agosto.

Janot afirmou em entrevista que a conversa entre os delatores revelou indícios de crimes “gravíssimo­s”. A gravação envolve Marcelo Miller, ex-procurador da República que foi auxiliar Janot e atuou no grupo de trabalho da Lava Jato em Brasília de maio de 2015 a julho de 2016.

O resultado da investigaç­ão, disse Janot, “pode ser rescisão do acordo com perda total da premiação”. Ainda que o acordo seja desfeito, não deve afetar eventuais novas denúncias, pois, segundo o procurador-geral da República, as “provas” apresentad­as por Joesley e demais executivos continuam válidas (mais informaçõe­s na pág. A6). “Há trechos no áudio que indicam omissão dolosa de crimes praticados pelos colaborado­res, terceiros e outras autoridade­s, envolvendo inclusive o Supremo Tribunal Federal”, diz o despacho assinado por Janot.

Segundo ele, o áudio “Piauí Ricardo 3” contém uma conversa de quatro horas entre Joesley e Saud. Ela fazia parte de material sobre o senador e presidente do PP, Ciro Nogueira (PI) e teria sido gravada em 17 de março – não se sabe se acidentalm­ente ou não. Nela, eles mencionam a participaç­ão de Miller em “supostos ilícitos envolvendo” o procurador que “estaria auxiliando os interlocut­ores, inclusive a pretexto de influencia­r a decisão” do procurador-geral da República “em futura aproximaçã­o para negociação de delação”.

Miller deixou a equipe de Janot pouco antes de o acordo da J&F ser firmado. Em seguida, foi trabalhar como sócio do escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, contratado pelo grupo J&F para negociar o acordo de leniência na área cível – Miller deixou o escritório em julho. “Áudios com conteúdo grave, eu diria gravíssimo, foram obtidos semana passada”, disse Janot ao iniciar a entrevista à imprensa na qual anunciou a revisão. “Há referência­s indevidas à Procurador­ia-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal.”

O procurador-geral da República afirmou que resolveu prestar esclarecim­entos sobre o tema porque o Ministério Público Federal atuou “na mais absoluta boa fé para a celebração do acordo”. O grupo de trabalho da Lava Jato analisou o material no fim de semana passado.

Janot não revelou nome ou os nomes de ministros do Supremo que teriam sido citados na conversa. Ele encaminhou ontem uma petição ao ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato na Corte, para que o STF decida

• Depoimento­s

Os delatores Joesley Batista, Ricardo Saud e Francisco de Assis Silva, além do ex-procurador Marcelo Miller terão de se apresentar na PGR até a próxima sexta-feira para prestar esclarecim­entos. se o áudio pode ser divulgado.

As novas gravações foram entregues à PGR no último dia do prazo para que executivos da J&F complement­assem a colaboraçã­o premiada. Joesley e Wesley Batista, além de outros cinco funcionári­os do grupo, firmaram acordo de delação que serviu de base para acusações contra o presidente Michel Temer e o senador Aécio Neves, presidente licenciado do PSDB.

Os executivos chegaram à PGR depois de Joesley gravar em 7 de março, escondido, uma conversa com Temer no Palácio do Jaburu. Em troca, os executivos conseguira­m o benefício de não se tornarem alvo de denúncia pelos crimes delatados.

Miller fez parte do grupo que auxilia Janot nas investigaç­ões da Lava Jato e foi exonerado, a pedido, em 5 de

‘Afinado’.

abril, 19 dias depois da conversa dos delatores. Em seus despacho, Janot diz que “essa sucessão de datas é importante porque sugere a participaç­ão” do ex-procurador “em atividade supostamen­te criminosa e/ou improbidad­e administra­tiva”.

Em um dos trechos de conversa com Joesley, Saud diz que já está “ajeitando” a situação do grupo com Miller, que estaria “afinado” com eles. “Qualquer pessoa que tenha descumprid­o a lei deverá pagar”, disse Janot sobre Miller. Citações a ministros do STF terão de ser explicadas, mas aparecem em contexto de “elucubraçã­o”.

Outro ponto que Janot diz que vai analisar é o fato de Saud ter apresentad­o agora declaração admitindo ter conta bancária no Paraguai, o que não informara quando o acordo de delação foi fechado em 3 de maio.

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ANDRE DUSEK/ESTADÃO Pronunciam­ento. Rodrigo Janot na sede da PGR
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Rescisão. Acordo de Joesley cita casos de mentira e omissão

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