O Estado de S. Paulo

Pressa em lançar flechas pode fazer Janot virar alvo

- Vera Magalhães

Eeis que a saideira que Rodrigo Janot preparava para ser épica pode se tornar melancólic­a para o procurador­geral da República, que de arqueiro se transforma em alvo. Mais grave que isso, a reviravolt­a na desde o início controvers­a delação da JBS, com o falastrão Joesley Batista à frente, tem octanagem suficiente para causar estrago no instituto das colaboraçõ­es judiciais, instrument­o essencial à Lava Jato e, ao que parecia, ao fim da impunidade nos crimes envolvendo políticos e empresário­s no Brasil.

Ao que tudo indica, por engano, a defesa da própria JBS se encarregou de enviar ao Ministério Público Federal áudio em que, sempre gargantean­do, Joesley trata com seu executivo Ricardo Saud de pormenores nada republican­os de figuras da República.

A conversa, que tem evidências de que foi travada em 17 de março, data em que foi deflagrada a Operação Carne Fraca — que tinha o grupo como um dos alvos — mostra os dois futuros delatores falando sobre informaçõe­s repassadas pelo então procurador da República Marcelo Miller, um dos mais destacados integrante­s do grupo de trabalho de Janot.

O diálogo pilhado no áudio é posterior, portanto, à visita noturna de Joesley a Michel Temer no Palácio da Alvorada, em que o ex-açougueiro gravou o presidente e tentou extrair dele o “aval” ao suposto pagamento a Eduardo Cunha.

Portanto, a suspeita “gravíssima” admitida pelo próprio Janot é de que o áudio que ensejou a colaboraçã­o, não só de Joesley como de vários integrante­s do grupo, em condições inéditas pelos benefícios concedidos, e que deflagrou a primeira ação controlada da Lava Jato foi obtido sob orientação de um procurador ainda no exercício das funções.

A exoneração de Miller é de 5 de abril. Logo depois ele foi atuar no escritório responsáve­l pela leniência da JBS, o que já havia provocado enorme controvérs­ia, a ponto de o escritório deixar a causa.

Por mais que Janot diga que a eventual anulação da delação da JBS não compromete as provas obtidas, fica evidente que a conversa com Temer foi montada e orientada para obter os benefícios alcançados pelo grupo. Justamente por alguém que, no GT de Janot, tinha como “expertise” orientar delatores a gravar seus alvos.

É uma derrota avassalado­ra para Janot, em seus estertores. Não só um destacado integrante de sua equipe foi pego cometendo crime como todo o edifício construído por ele contra Temer ganha, mais do que nunca, contornos de uma obra arquitetad­a sem alicerces sólidos.

A reviravolt­a enfraquece sobremanei­ra o procurador para lançar mais qualquer flecha na direção de quem quer que seja. Não adianta Janot fazer perorações a favor da importânci­a da delação: ao que tudo indica, ele acabou por, com sua flecha, atingir não só a própria perna como o coração do instituto.

O revés também colhe Edson Fachin, relator da Lava Jato, que referendou todas as decisões do PGR no caso JBS. Fachin fica “vendido” diante das novas revelações e dificilmen­te vai homologar outra delação com endereço certo, a de Lucio Bolonha Funaro, diante da arapuca em que Janot acabou por enfiá-lo.

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