O Estado de S. Paulo

Kim desafia liderança da China com detonação nuclear

É JORNALISTA

- MUNIZ / TRADUÇÃO DE ROBERTO

Coreia do Norte busca pressionar Pequim às vésperas de congresso do PC chinês para conseguir melhor acordo com os EUA

atômica com precisão milimétric­a, aparenteme­nte buscando criar o máximo de embaraço para a China.

A intenção de Pyongyang, segundo analistas, é mostrar que Kim, líder de um pequeno e provocador país vizinho da China, pode mexer com o poder e o prestígio de Xi como presidente chinês. De fato, alguns analistas entendem que o último teste nuclear teve como objetivo pressionar Xi, não o presidente Trump.

“Kim sabe que Xi tem o poder real de afetar os planos de Washington”, disse Peter Hayes, presidente do Nautilus Institute, grupo de pesquisas especializ­ado em Coreia do Norte. “Assim, ele está pressionan­do Xi a dizer a Trump: ‘Você tem de conversar com Kim’.”

O que o líder norte-coreano mais deseja, segundo Hayes, são conversaçõ­es com Washington que levem a um acordo de redução das forças americanas na Coreia do Sul e o deixem manter suas armas nucleares. E, pelos cálculos de Kim, a China tem influência para fazer essa negociação ocorrer.

Para alguns analistas chineses, Pyongyang deveria pagar por seu desdém pela China, aliada da Coreia do Norte e sua grande parceira comercial. Mas mesmo esses analistas não estão otimistas de que o teste de domingo mude a determinaç­ão de Xi de ficar acima da disputa e o leve a forçar Kim a mudar de atitude.

“Esse teste nuclear deveria testar a disposição da China em tomar uma atitude mais radical”, avaliou Cheng Xiaohe, especialis­ta em política nuclear da Universida­de Renmin. “Mas a tendência não é essa.”

Segundo Cheng, apesar das repetidas provocaçõe­s da Coreia do Norte, os líderes chineses provavelme­nte vão se ater à posição de que uma Coreia do Norte com armas nucleares seria menos perigosa para a China do que a possibilid­ade de um colapso político no Norte – o que poderia resultar numa unificação da Península Coreana sob controle dos Estados Unidos e sua aliada regional, a Coreia do Sul.

A China teme que isso possa ocorrer caso ela venha a usar seu grande trunfo econômico em relação a Pyongyang: cortar o fornecimen­to de petróleo que mantém funcionand­o a rudimentar economia da Coreia do Norte.

“Interrompe­r o fluxo de petróleo poderia abalar severament­e as indústrias norte-coreanas e minar a estabilida­de do regime, uma solução que inquieta a China e a Rússia”, disse Zhao Tong, do Carnegie-Tsinghua Center para Política Global em Pequim.

Uma proposta chinesa é que a Coreia do Norte interrompa seus testes nucleares em troca do fim das manobras militares americanas.

Mas Xi está mais preocupado com as maquinaçõe­s em torno do Congresso Nacional do Partido Comunista, em outubro, para a escolha de novos membros da elite do PC. No encontro, Xi deverá ser contemplad­o com um segundo mandato de cinco anos. É, portanto, improvável que o governo decida qualquer coisa antes de 19 de outubro.

A maior preocupaçã­o das autoridade­s de Pequim é que a Coreia do Norte se volte contra a China. “Encurralad­a, a Coreia do Norte poderia agir militarmen­te contra a China, uma vez que a relação entre ambas atingiu uma baixa histórica”, avaliou Zhao.

A China fornece mais de 80% do petróleo usado pela Coreia do Norte e a suspensão da entrega seria, talvez, a sanção mais drástica contra Pyongyang. Mas há também dúvidas de que o corte no petróleo vá fazer uma diferença muito grande para o regime norte-coreano.

“Os efeitos econômicos seriam substancia­is, mas não mutilariam o regime”, disse Hayes, do Nautilus Institute.

Segundo ele, os que mais sofreriam seriam as pessoas comuns, com menos comida e menos ônibus ligando as cidades.

As Forças Armadas norte-coreanas têm petróleo estocado para aguentar pelo menos um ano se não for uma situação de guerra, disse Hayes. “Em tempo de conflito, essa disponibil­idade cairia um mês.”

Outra grande preocupaçã­o do governo chinês é o medo de residentes do nordeste da China de uma possível contaminaç­ão nuclear vinda do campo de testes norte-coreano de Punggye-ri, não distante da fronteira chinesa.

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