O Estado de S. Paulo

TRINDADE E APPY

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Um dos problemas recorrente­s enfrentado­s pelas agências reguladora­s e pelas autarquias destinadas à regulação e supervisão do mercado financeiro, como a Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) e o Banco Central (BC), é a falta de recursos suficiente­s para cumprir adequadame­nte suas funções. Embora as leis que disciplina­m as agências reguladora­s normalment­e lhes confiram autonomia orçamentár­ia e financeira, na prática os recursos por elas arrecadado­s acabam integrando o Orçamento da União, sendo contingenc­iados como qualquer outra fonte de recursos orçamentár­ios.

Mesmo reconhecen­do a grave crise fiscal por que passa o País, entendemos que esse modelo de financiame­nto das agências acaba sendo contraprod­ucente, pois as torna dependente­s de decisões discricion­árias do Poder Executivo, limitando sua autonomia. Não defendemos, no entanto, a mera liberação dos recursos atualmente destinados às agências, mas sim um sistema equilibrad­o de financiame­nto.

Praticamen­te todas as atividades das agências reguladora­s e das entidades supervisor­as do mercado financeiro poderiam ser financiada­s por meio de taxas de fiscalizaç­ão, cobradas dos particular­es que exercem atividades reguladas. Taxas são tributos vinculados, cuja arrecadaçã­o só pode ser utilizada para o financiame­nto de serviços públicos específico­s, como as atividades de regulação, supervisão e fiscalizaç­ão das agências.

Se as taxas devem ser suficiente­s para o financiame­nto da atividade das agências, não devem ser superiores a esse valor, como ocorre hoje em várias situações, a exemplo da taxa de fiscalizaç­ão destinada ao Fundo de Fiscalizaç­ão das Telecomuni­cações (Fistel), cuja arrecadaçã­o é muito superior ao orçamento da Agência Nacional de Telecomuni­cações (Anatel). Tampouco é adequada a vinculação de receitas desvincula­das da atividade de fiscalizaç­ão, como ocorria até poucos anos atrás, quando era destinada à Agência Nacional do Petróleo (ANP) uma porcentage­m dos royalties do petróleo muito superior às necessidad­es da agência. A vinculação de receitas superiores ao necessário para o funcioname­nto das agências justifica o seu contingenc­iamento,

Por fim, se a autonomia financeira das agências é importante, isso não significa que não deva haver restrições a suas despesas. Uma forma de estabelece­r tais restrições seria por meio de contratos de gestão – previstos em algumas das leis que regulam a atividade das agências e, sob o modelo de um Plano Estratégic­o, também no Projeto de Lei das Agências Reguladora­s (PL 6.621/16). Para evitar a desproporc­ionalidade das taxas de fiscalizaç­ão em relação aos serviços, ou o risco de cresciment­o artificial das suas estruturas, as necessidad­es financeira­s das agências seriam estabeleci­das no contrato de gestão, e, portanto, sujeitas ao escrutínio público e a auditorias independen­tes. Eventual excesso de arrecadaçã­o deveria ser utilizado para reduzir, em periodicid­ade a ser definida, os valores das taxas devidas pelos agentes fiscalizad­os.

SÓCIO DA TRINDADE – SOCIEDADE DE ADVOGADOS, FOI PRESIDENTE DA COMISSÃO DE VALORES MOBILIÁRIO­S; DIRETOR DO CENTRO DE CIDADANIA FISCAL, FOI SECRETÁRIO EXECUTIVO E DE POLÍTICA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA

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