O Estado de S. Paulo

Pés na terra e frutos no pé

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Por pouco não desistimos do passeio. A estradinha enlameada pela chuva forte da manhã ameaçava impedir o avanço do carro. E olha que mal faltava 1 quilômetro entre a porteira e o terreiro da Fazenda Bom Jesus, onde éramos esperados pelo Galego, o funcionári­o que nos receberia para um tour pela produção orgânica de cacau.

A Bom Jesus fica em Una, um dos quatro municípios da Costa do Cacau. O cultivo do fruto começou na região na década de 1930, e os cacaueiros dominaram uma área costeira de cerca de 180 quilômetro­s. Essa economia chegou ao seu auge na década de 1950, mesma época em que o escritor Jorge Amado publicou o romance Gabriela, Cravo e Canela (1958) e outros livros que retrataram o estilo de vida dos barões do cacau.

Na década de 1980, a praga agrícola conhecida como vassourade-bruxa dizimou boa parte dos cacaueiros, a produção entrou em declínio e derrubou o preço das terras. Muitas foram compradas por estrangeir­os. Nos últimos anos, a praga vem sendo derrotada e o cacau retoma, pouco a pouco, a importânci­a. Em 2015, a região exportou o fruto pela primeira vez em mais de 20 anos.

Para além da fabricação de chocolate, que continuou a ser feita com cacau importado, os produtores da região vêm se organizand­o para reforçar o fruto como atrativo turístico. Em julho, durante o 9.º Festival Internacio­nal de Chocolate e Cacau, em Ilhéus, foi anunciada a criação da rota turística Estrada do Chocolate, prevista para começar a funcionar no verão.

Com o guia Edson Carvalho, cheguei à Fazenda Bom Jesus ainda debaixo de chuva – o normal para o fim de junho.

Entre sabores.

A seca começa agora, em setembro. Galego forneceu galochas, e a visita começou pelo galpão onde as amêndoas são retiradas de dentro do cacau e colocadas para fermentar, antes da secagem. Há dezenas dessas sementes dentro de cada fruto, recobertas por uma polpa carnuda cujo sabor lembra a fruta-do-conde.

A degustação teve mel de cacau (R$ 25 a garrafa de 500 ml) e um tipo de suco feito com a fruta, além de banana e coco secos. Tudo colhido na fazenda de produção orgânica. A Bom Jesus é uma das 33 propriedad­es que integram a Cabruca, a Cooperativ­a dos Produtores Orgânicos do Sul da Bahia. Cabruca é o nome da técnica de cultivo que consiste em plantar em meio à Mata Atlântica, sem desmatar.

Neste ponto da conversa já estávamos caminhando pela propriedad­e, passando pelas plantações de pimenta e baunilha que se intercalam aos cacaueiros e rindo da possibilid­ade de escorregar na terra úmida. Galego parou para mostrar como se faz um enxerto, o processo de implantar um ramo de cacau mais forte geneticame­nte em outro cacaueiro mais vulnerável. Foi principalm­ente esta técnica que derrotou a vassoura-de-bruxa – e é por causa dela que são avistados frutos de cacau de cores variadas, amarelos, vermelhos e roxos, brotando no mesmo pé.

À medida que nos embrenhamo­s em fila indiana pela Mata Atlântica, o ar foi ficando mais fresco e aromático. Até que paramos como quem para diante de uma divindade. Com estimados 30 a 40 metros de altura e 250 anos de idade, uma majestosa gameleira marca o fim da trilha.

A árvore é tão bonita, tão gigantesca e imponente que emociona. Escalei algumas raízes para chegar mais perto, sentir a textura da casca, o cheiro da chuva. Por pouco não desisti de sair dali.

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FOTOS MÔNICA NOBREGA/ESTADÃO
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Sensações. Amêndoas secas de cacau (à esq.); bangalôs do Transaméri­ca; varanda da Casa de Cultura

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