O Estado de S. Paulo

Gravação de delatores da J&F deixa Janot sob pressão

Joesley Batista e Ricardo Saud afirmam em áudio que procurador sabia de plano para delatar Michel Temer

- / MARCELO GODOY, RENATO ONOFRE, VALMAR HUPSEL FILHO, PAULA FÉLIX, LUÍS FILIPE SANTOS, PEDRO VENCESLAU, MARIANNA HOLANDA e MURILO FERRARI

Em áudio entregue ao Ministério Público Federal, Joesley Batista e Ricardo Saud, do Grupo J&F, afirmam que o procurador-geral Rodrigo Janot tinha ciência de seus planos de delatar o presidente Michel Temer e “falar” do STF. O diálogo entre os dois ocorreu, provavelme­nte, dez dias depois de Joesley ter gravado sua conversa com Temer. Caso estivesse em curso uma ação na qual o MPF orienta os colaborado­res a produzir provas de crimes, a conversa com o presidente só poderia ter sido gravada com autorizaçã­o do STF. Na segunda-feira, ao anunciar que abriria investigaç­ão que pode levar ao cancelamen­to dos benefícios dados aos delatores, Janot afirmou que a PGR não mantivera contato com os executivos da J&F. Ontem, em nota, Joesley e Saud afirmaram que o que disseram na gravação “não é verdade”. A presidente do STF, Cármen Lúcia, pediu que sejam investigad­as as menções a integrante­s do Supremo. Aliados de Temer deflagrara­m ofensiva pela anulação do acordo de delação.

Joesley Batista e Ricardo Saud, do Grupo J&F, afirmaram em uma conversa gravada que o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tinha ciência prévia dos seus planos para firmar um acordo de delação premiada, que era negociado informalme­nte com o ex-procurador Marcelo Miller. As declaraçõe­s contradize­m a versão do Ministério Público Federal sobre as tratativas para o acordo, que serviu de base para a denúncia por corrupção passiva contra o presidente Michel Temer. O diálogo ocorreu provavelme­nte em 17 de março, dez dias após Joesley ter gravado sua conversa com Temer no Palácio do Jaburu.

No áudio, entregue ao Ministério Público Federal no último dia 31, o empresário diz que pretendia delatar Temer e “falar” do Supremo Tribunal Federal na colaboraçã­o. Caso estivesse em curso uma ação controlada, na qual o Ministério Público orienta os colaborado­res a produzirem provas de crimes, o presidente só poderia ser gravado com autorizaçã­o do STF.

Em Paris, o ministro Gilmar Mendes, do STF, levantou a suspeita de “uma ação controlada sem ordem judicial” e disse que a PGR terá de responder sobre isso (mais informaçõe­s na pág. A8).

Anteontem, ao anunciar uma investigaç­ão que pode levar ao cancelamen­to dos benefícios dados aos delatores, Janot afirmou que a Procurador­ia-Geral da República não mantivera direta ou indiretame­nte contato com eles antes de ter sido procurada pelos irmãos Joesley e Wesley Batista em 27 de março – o acordo foi fechado no dia 7 de abril.

A divulgação do conteúdo do áudio levou a uma ofensiva da defesa de Temer e de aliados no Congresso pela anulação da delação. O ministro Edson Fachin, relator da Lava Jato no Supremo, suspendeu o sigilo da gravação.

Ontem, Joesley disse que

mentiu no áudio e a PGR afirmou que Janot jamais se encontrou com o empresário e delator (mais informaçõe­s nesta página).

Na conversa, os delatores relatam contatos com o então procurador Marcelo Miller, um dos assessores de Janot. “O Marcelo deu uma tarefa para nós. O que nós temos é muito fraco e ele quer mais. É isso?”, pergunta Saud. Joesley diz: “Ele já contou para Janot que a gente tem muito mais coisa para contar”. Joesley completa dizendo que ele e seus executivos eram “a joia da coroa deles”. “O Marcelo já descobriu e falou para o Janot: ‘Janot, nós temos um pessoal que vai dar todas as provas que nós precisamos’.”

Na conversa é citado também o chefe de gabinete do procurador-geral,

Eduardo Pelella. “O Anselmo (não identifica­do) falou para o Pelella, que falou pra não sei o quê lá, que falou para o Janot. O Janot está sabendo.”

Aparenteme­nte, a gravação, que tem mais de quatro horas, foi feita de forma acidental.

Ministros. O dono da J&F diz em um trecho que pretendia gravar José Eduardo Cardozo, exministro da Justiça de Dilma Rousseff, como forma de delatálo e, assim, obrigá-lo a ajudá-los a “dissolver o Supremo”. “Você (Saud) com o Zé e eu (gravo) com o Temer.” Os delatores considerav­am que ele conhecia fatos graves envolvendo ao menos cinco ministros da Corte.

A conversa prossegue com os delatores dando a entender que estavam negociando os termos

de suas delações com Miller. Mais adiante, ele completa: “Falei para o Marcelo: ‘Marcelo, você quer pegar o Supremo? Entrega o Zé. O Zé entrega o Supremo’”. Este se encarregar­ia de levar as informaçõe­s a Janot por meio de um “amigo em comum”, chamado Cristiam.

Segundo Saud, Miller lhe teria dito ainda que Janot, após deixar o cargo, iria trabalhar no mesmo escritório de advocacia onde Miller e Cristiam trabalhari­am. Em 5 de abril, Miller deixou o MPF e passou a trabalhar no escritório de advocacia Trench, Rossi e Watanabe, que participou do acordo de leniência do Grupo J&F.

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WERTHER SANTANA/ESTADÃO–9/8/2017 Delator. O empresário Joesley Batista, do Grupo J&F, após prestar depoimento na sede da Polícia Federal em São Paulo

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