Piano, técnicas e texturas
O compositor Philip Glass se apresenta na semana que vem em SP e no Rio.
O americano Philip Glass é um compositor versátil. Aos 80 anos, um dos mais bem sucedidos e prolíficos criadores do planeta ostenta um currículo com mais de 20 óperas, oito sinfonias, inúmeros concertos para violino, piano, além de mais de 30 trilhas sonoras de filmes. Para ele, a música tem um apelo duradouro porque oferece um sentido de auto expressão que transcende a linguagem. É o que Philip Glass vai apresentar no concerto Estudos Completos para Piano, que será apresentado na Sala São Paulo no dia 16 – antes, na noite de 14, acontece uma apresentação na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro.
Trata-se de um evento do projeto Mais Piano, que festeja as oito décadas do compositor. Glass vai se apresentar ao lado de quatro pianistas convidados: a japonesa Maki Namekawa, a tailandesa-americana Jenny Lin e os brasileiros Ricardo Castro e Heloísa Fernandes. Os cinco vão se revezar na execução das 20 peças dos estudos compostos por Glass entre 1994 e 2012 e que tiveram estreia em 2013, na Austrália, como programa completo.
“Minha primeira intenção ao criar essas peças foi a de explorar uma variação de técnicas e texturas do piano”, comentou Glass ao Estado na tarde de ontem, em entrevista telefônica desde Nova York. “Mas também aproveitei para me exercitar como pianista – a improvisação é um exercício intelectual muito forte e, em alguns casos, resultou em um trabalho artístico.”
Philip Glass tem uma assinatura musical muito característica, marcada pela reiteração de células melódicas, harmônicas e rítmicas, na linguagem singular que cunhou como “música com estruturas repetitivas” e que costuma ser chamada de “minimalismo”, termo que ele mesmo não aceita. Um exemplo clássico – e que o tornou mundialmente conhecido – éa trilha sonora do filme Koyaanisqatsi, dirigido por Godfrey Reggio, em 1982, e cujas imagens, exibidas em uma hipnótica velocidade aumentada, casaram com perfeição com a melodia em repetição.
A origem do interesse por tal musicalidade remonta aos anos 1960, quando Glass, então estudando em Paris, entrou em contato com a música de Ravi Shankar e com poesia devocional de Rûmî, que se confunde com o amor humano e que encantou o compositor americano a ponto de, em 1997, ter criado o Monstros de Graça, espetáculo em que são declamados 16 de seus poemas em meio a um show de computação gráfica. “Ele ensina que a nossa capacidade de amar nos fornece uma conexão com o divino”, comentou o músico, na época.
Glass é um artista antenado com seu tempo. Questionado sobre o que pensa sobre a recente onda de exibição de óperas e concertos sinfônicos exibidos ao vivo em salas de cinema, Glass abre um sorriso (é possível perceber o gesto pelo som, mesmo com a longa distância) e responde rápido. “Sou plenamente favorável, especialmente depois que a tecnologia avançou e permitiu que os cinemas fossem munidos com ótimos aparelhos de som”, observa. “Também torna a arte mais democrática – quando isso acontece, por exemplo, no Hollywood Bowl, em Los Angeles, onde cabem mais de 15 mil pessoas, a divulgação é fantástica e temos a chance de colocar mais pessoas em contato com a arte. Considero isso particularmente importante em cidades do mundo que não contam com casas capacitadas para receber uma orquestra sinfônica, por exemplo. Felizmente, não é o caso de São Paulo e Rio, que estão muito bem servidas de casas do gênero.”
Como o assunto migrou para o Brasil, torna-se inevitável questionar o compositor sobre sua relação com a música nacional. Historicamente, é longa e intensa. Em 1989, Glass compôs Itaipu, para coro e orquestra. Naquele mesmo ano, iniciou uma parceria com o encenador Gerald Thomas, com quem trabalhou na ópera Matogrosso e em peças como Carmem com filtro 2. Outra peça para orquestra, de 1997, reflete suas impressões sobre a maior favela da América do Sul: Days and Nights in Rocinha. Também, o grupo mineiro Uakti trabalhou com o americano, em Oito Peças para um Ballet,
para o Grupo Corpo. Sua última passagem pelo Brasil aconteceu em 2011, quando tocou em duo com o violinista Tim Fain em Olinda e São Paulo.
Glass também cultiva uma amizade fraterna com a diretora e produtora brasileira Monique Gardenberg, para quem criou a trilha sonora do filme Benjamim e da peça Fluxorama.
O cinema, aliás, é um meio pelo qual o compositor transita com facilidade. “Trabalho muito com encomendas, o que me obriga a me prender no desenrolar da trama e nas intenções do diretor”, comenta. “Mas é importante observar a diferença entre a música de alta tecnologia e a comercial, que são como diferentes idiomas. Gosto de dizer que sou como um pintor, que faz pintura abstrata em casa, mas que não deixa de ir às ruas e fazer esboço das pessoas passeando.”
Glass gosta do contato com o público e, no dia 17, fará uma apresentação gratuita ao ar livre, no Auditório Ibirapuera. No programa, trechos da trilha do filme Mishima, entre outras peças.