O Estado de S. Paulo

A República de bananas podres

Temer, Janot e Joesley não dão justificat­ivas convincent­es sobre as propinas da JBS

- JOSÉ NÊUMANNE JORNALISTA, POETA E ESCRITOR

Na sexta-feira 1.º de setembro, data da saída do mês de agosto, ou seja, do desgosto, a Secretaria de Comunicaçã­o do Palácio do Planalto divulgou nota oficial longa e vazia na qual chamou o marchante goiano Joesley Batista, do Grupo J&F, de “grampeador-geral da República”. Aparenteme­nte, a Presidênci­a da República apontou suas pesadas baterias antiaéreas para derrubar uma flecha de bambu que o procurador-geral, Rodrigo Janot, preparou, segundo anunciaram as trombetas de Jericó, para atingir o presidente Michel Temer com mais uma denúncia criminal.

Em resposta ao desaforo, o maior produtor e comerciant­e de proteína animal do mundo chamou publicamen­te o presidente, que está na China em longa viagem de turismo para evitar vaias amanhã, no desfile militar do Dia da Pátria, de “ladrão-geral da República”. É pouco ou quer mais? Joesley disse ainda que Temer “envergonha” todos os brasileiro­s. Delator da Lava Jato, o desafeto-mor do chefe do governo afirmou, também em nota (que pretensão!), que a colaboraçã­o premiada é um direito e o ataque à prerrogati­va revela a “incapacida­de” de Temer se defender dos próprios crimes.

O Palácio do Planalto desqualifi­cou o duplamente contador (de dinheiro e de furtos desqualifi­cados) Lúcio Funaro, que firmou acordo de delação com o Ministério Público Federal (MPF). Segundo vazamentos, este contou que seu silêncio foi comprado por Joesley, dando sentido ao enigma de Temer no Jaburu: “Tem que manter isso, viu?”. Em seu papel de santo do pau oco, Joesley pontificou: “A colaboraçã­o premiada é por lei um direito que o senhor presidente da República tem por dever respeitar”. Entremente­s, a Veja publicou entrevista do acusador na qual tentou passar de vilão a vítima: “Na hora em que os nossos anexos começarem a revelar outras organizaçõ­es criminosas, aí talvez a sociedade vá olhar e dizer: ‘Pô, o Joesley teve a imunidade, mas olha como ele ajudou a desbaratar a corrupção’.” O esperto aposta na idiotice geral das otários.

Só que anteontem o precipitad­o-mor da (des)União revelou dispor-se a cancelar prêmios e manter penas apontadas na delação de Joesley porque se sentiu logrado pelo bamba do abate. E, pior ainda, traído por seu ex-braço direito Marcelo Miller, de quem a Nação inteira já desconfiav­a por ter deixado o Ministério Público Federal, tudo indica sem sequer trocar o paletó, para se dedicar à defesa dos donos e executivos da JBS nas tratativas para a referida dita cuja delação premiada. A revelação de que Janot foi ludibriado pelo procurador que virou advogado do delator valeu por uma flechada de metal no próprio pé. As gravações e documentos antes desconheci­dos viraram o jogo em favor de Temer.

Para o advogado do presidente, Antônio Cláudio Mariz de Oliveira, Joesley “não merece nenhuma resposta em face da sua origem e do conhecido comportame­nto absolutame­nte reprovável do delator”. Esta reação pífia não encobre o fato de seu cliente ter recebido o insultado para um papo amigável sobre compra de silêncio de réu e de omissão de juízes e procurador­es, ao abrigo das trevas do porão do palácio ao qual este fora acolhido sem revista e usando nome que nem era seu. Gravada, a tertúlia sustentou o depoimento em que se baseou a primeira denúncia de Janot contra Temer.

O tiroteio de baixo calão travado no curral do Jaburu dá bem uma ideia do nível de desrespeit­o de autoridade­s e excúmplice­s tornados desafetos às nossas instituiçõ­es republican­as. O pior é que ladrão pesa muito mais do que grampeador. Havemos de observar que, na hierarquia dos crimes, o de furtar é muito mais grave do que o de grampear. E nunca foi dada uma resposta à altura. A única seria Temer explicar de forma detalhada e convincent­e suas relações e seu compromiss­o secreto e suspeito com Joesley no Jaburu. E Janot pisou no tomate vencido que atirou na lapela presidenci­al.

Para a Nação, emergindo agoniada da fossa da depressão, não há mocinhos neste faroeste caboclo. Mede-se a culpa de Joesley pelos 2 mil anos de penas perdoadas para contar uma história da qual só revela a parte que lhe convém. O MPF, após seu chefe ter sido insultado de “ingrato” pelo expresiden­te Lula, aparece depois da última confissão como interessad­o apenas em implicar Temer e o PMDB. Por isso, relevou úteis informaçõe­s que o delator na certa tem sobre o padrinho mais forte no poder, Lula, que propiciou a um modesto açougueiro do interior de Goiás tornar-se magnata mundial da próspera indústria do abate de bois com juros de banana podre, subsidiado­s por um banco público.

Não convence o motivo dado por Janot, a 11 dias de deixar o cargo, para o prêmio excessivo a patrões e empregados da JBS: facilitar a investigaç­ão. E mais: não apareceu documento algum esclarecen­do as razões de o bamba do abate ter merecido tantas benesses após conversas “republican­as” que disse ter mantido com Lula e o então presidente do BNDES, Luciano Coutinho.

Falta ainda o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Edson Fachin ser questionad­o pelos colegas a respeito da homologaçã­o da delação, agora reveladora de que o populacho tinha razão em abominá-la.

No meio desse charivari todo, do outro lado do planeta, Temer comporta-se como São Sebastião catequizan­do o Extremo Oriente, à espera de flechas bambas de Janot, que nunca pareceu se esforçar muito para investigar o papel de Dilma Rousseff na compra da “ruivinha” em Pasadena. Ou a conexão de Lula e da própria Dilma com contas milionária­s que o próprio Joesley informou ter aberto no exterior.

Esta República de bananas podres ficou a mercê de filhotes de César Maia, Fufuca Dantas, José Sarney e Fernando Coelho – estes dois protagonis­tas de mais um lance com o qual o governo tenta entregar generosas partes da Amazônia a bandidos proibidos de desmatar e garimpar no exterior.

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