O Estado de S. Paulo

Gilmar afirma que acordo é ‘a maior tragédia na PGR’

Citado nos novos áudios, ministro diz que trabalho de procurador­es foi ‘malfeito’; para corregedor nacional de Justiça, STF fica ‘arranhado’

- Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS Rafael Moraes Moura / BRASÍLIA

O procedimen­to interno da Procurador­ia-Geral da República (PGR) para analisar a revisão do acordo de colaboraçã­o do Grupo J&F provocou reação entre membros do Judiciário. O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), classifico­u ontem, em Paris, o acordo fechado pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, como “a maior tragédia que já aconteceu na PGR”. Em Brasília, o corregedor nacional de Justiça, ministro João Otávio de Noronha, disse que “certamente” a imagem do STF já está arranhada por causa de menções de delatores a integrante­s da Corte.

Para Gilmar, o acordo de delação negociado por Janot, que incluía o primeiro áudio da conversa gravada por Joesley Batista, dono da JBS, mas ignorava a existência do segundo áudio, revelado anteontem, “é um desastre”. “É a maior tragédia que já ocorreu na Procurador­ia-Geral em todos os tempos. Não tem nada igual”, disse Gilmar, na embaixada do Brasil em Paris, onde cumpriu agenda oficial.

Contudo, na avaliação do ministro do STF, é uma “sorte do Brasil” que a denúncia de Janot tenha ocorrido porque, segundo ele, revelaria a “desinstitu­cionalizaç­ão” da PGR e o trabalho “malfeito” dos procurador­es na investigaç­ão.

Questionad­o pelo Estado se via uma relação promíscua entre delatores, como Joesley, e a Procurador­ia – o ex-procurador da República Marcelo Miller é suspeito de ter auxiliado o empresário a preparar as gravações –, Gilmar foi taxativo: “Com certeza. É fato gravíssimo”, disse, estimando que o acordo de delação firmado entre a PGR e Joesley “terá de ser completame­nte revisto”.

Singular. Questionad­o sobre se a eventual revisão da delação resultaria na anulação das provas que constam da denúncia – Janot afirma que não seriam passíveis de anulação –, Gilmar disse que a questão “terá de ser examinada em cada tópico”. “O caso do presidente (Michel Temer) é um caso muito singular. Desde o início ele vem batendo nessa tecla de que pode ter havido uma ação controlada sem ordem judicial”, disse. “Tudo indica que os delatores receberam treinament­o da Procurador­ia muito antes de fazer aquela primeira investida. Sobre isso, eles (PGR) vão ter de responder. E aí vai surgir a questão de se a prova é lícita ou não.”

Gilmar disse ainda que estima que o procurador-geral violou o Código Penal durante a investigaç­ão. “Você não pode cometer crime para combater crime. Do contrário a gente aceitaria a tortura. É essa a questão”, argumentou, afirmando que “os limites do Estado de Direito” foram ultrapassa­dos.

Sobre os trechos do áudio que mencionam seu nome, Gilmar ironizou, chamando a ação da PGR de “operação Tabajara”. “Já me falaram que é qualquer coisa ligada à aprovação da delação no Supremo Tribunal Federal e coisa do tipo”, disse o ministro, explicando, segundo ele, a razão pela qual seu nome teria sido citado. “Eu tenho a impressão de que o procurador-geral tentou trazer o Supremo para auxiliá-lo nessa operação Tabajara. É uma coisa muito malsucedid­a. O Supremo não tem nada com isso.”

Imagem. “Certamente (isso) já arranhou (a imagem do Supremo)”, disse ontem o ministro João Otávio de Noronha, que atua no Conselho Nacional de Justiça (CNJ) ao lado da ministra Cármen Lúcia, que preside o conselho e o STF.

Noronha, no entanto, ressaltou que não acredita que qualquer ministro do STF esteja envolvido em irregulari­dades no caso. “Nossa Corte é composta dos homens e mulheres mais dignos deste País”, afirmou.

Para o corregedor nacional de Justiça, o gerenciame­nto da delação premiada é “muito importante”. “Por exemplo, não é razoável você pressionar alguém a delatar. Não é razoável prender para delatar. Não sei se isso aconteceu, acontece. Não tenho caso concreto que alguém foi pressionad­o”, disse Noronha.

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