O Estado de S. Paulo

Em viagem à Colômbia, papa sela papel de mediador em conflitos no continente

Diplomata. Pontífice argentino chega hoje a Bogotá para sacramenta­r negociação que levou ao fim das Farc, em meio a ceticismo de parte da população com impunidade de guerrilhei­ros; participaç­ão de Francisco já foi decisiva em reaproxima­ção entre EUA e Cub

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O papa Francisco chega hoje à Colômbia para promover o acordo de paz entre o governo colombiano e as Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc). Na véspera da viagem, o pontífice disse que visita o palco de um conflito que durou mais de 50 anos com uma mensagem de reconcilia­ção e paz. A visita coroa uma diplomacia ativa do Vaticano, principalm­ente na América Latina, onde intermedio­u acordos em Cuba e na Colômbia.

Nos nove meses desde que a Colômbia aprovou um histórico acordo de paz com o maior grupo rebelde do país para encerrar o mais duradouro dos conflitos na América Latina, a Igreja Católica emergiu como uma força orientador­a para trazer rebeldes de volta à vida civil. O papa Francisco deve se esforçar para retomar tais esforços durante a viagem desta semana ao país sul-americano.

Hoje os padres estão celebrando missa nos rústicos campos onde os rebeldes depuseram suas armas. Assistente­s sociais católicos estão ajudando antigos guerrilhei­ros a localizar parentes que não encontram há décadas. Nas comunidade­s rurais atingidas mais pesadament­e pelo conflito de 53 anos, equipes da Igreja com psicólogos e assistente­s sociais explicam o acordo de paz e facilitam encontros com os rebeldes dos quais muitos desconfiam.

O papa tem sido um dos principais defensores da paz em um país profundame­nte católico, apelando aos líderes a favor e contra o acordo para que entrem em acordo quanto a suas diferenças. Ele vai conduzir uma prece pela reconcilia­ção nacional na cidade de Villavicen­cio, onde 6 mil vítimas de todo o país devem se reunir. E ele vai beatificar um bispo colombiano assassinad­o em 1989 por guerrilhei­ros do Exército de Libertação Nacional, outro grupo esquerdist­a rebelde que agora negocia a paz.

Mas o pontífice também deve entrar em contato direto com a profunda discordânc­ia quanto ao acordo, que se disseminou mesmo dentro da Igreja.

“Certos setores são resistente­s”, disse Fernán González, coordenado­r para paz e desenvolvi­mento em uma organizaçã­o jesuíta em Bogotá. “Isso mistura questões relativas tanto à moralidade católica quanto a posições políticas.”

As Farc foram formadas em meados da década de 60 para criar uma insurreiçã­o armada, derrubar o sistema e abrir caminho para a redistribu­ição de terras em meio à desigualda­de econômica no país.

Grande parte das Farc tem sido historicam­ente hostil à religião, tanto por sua opinião de que a Igreja Católica era uma força reacionári­a que dava apoio ao Partido Conservado­r durante os dez anos de guerra civil conhecida como “La Violencia”, como da parte do ateísmo dos grupos rebeldes de ideologia comunista. Dezenas de padres foram assassinad­os e dezenas de igrejas danificada­s ou destruídas.

“Quase todas essas mortes foram atribuídas às guerrilhas de esquerda, em particular às Farc”, concluiu um relatório de 2004, apresentad­o à Comissão de Relações Exteriores do Senado americano.

Apesar do banho de sangue, a Igreja assumiu a posição de força de mediação. Durante quatro anos de negociaçõe­s em Havana, que levaram ao acordo do ano passado, os padres acompanhar­am vítimas a Cuba para depor sobre atrocidade­s enfrentada­s e defenderam grupos indígenas. O próprio papa Francisco deu aos negociador­es um forte incentivo quando visitou Cuba em 2015, dizendo que eles não tinham o direito de abandonar os esforços de paz. Ele disse que visitaria a Colômbia só quando um acordo fosse assinado.

No total, o conflito deixou mais de 250 mil mortos, 60 mil desapareci­dos e milhões de deslocados. Uma reduzida maioria de colombiano­s rejeitou o acordo em um referendo antes que ele fosse aprovado no Congresso. “As pessoas ainda acham que as Farc devem pagar com prisão e sangue”, disse Diego Lerma, um funcionári­o da Igreja que colabora com os esforços de reconcilia­ção.

Dívida. O primeiro ano de efetivação do acordo foi marcado pelas conquistas em busca de publicidad­e, como o desarmamen­to das Farc e pelos visíveis fracassos do Estado em levar serviços a comunidade­s situadas em áreas de difícil acesso, onde o governo historicam­ente teve pouca presença e onde os rebeldes estão iniciando um novo capítulo como civis. Antigos guerrilhei­ros chegando a muitas das 26 zonas de desmobiliz­ação encontrara­m pouco mais que campos de lama, e meses depois muitos continuam vivendo em tendas em vez das construçõe­s com água corrente e eletricida­de, prometidas pelo governo.

Vinte e dois ex-integrante­s das Farc ou seus parentes foram mortos desde o fim das hostilidad­es, segundo um advogado do grupo rebelde, desde a semana passada transforma­do em partido político.

Embora marxistas em sua ideologia, muitos dos rebeldes lembram-se de terem recebido sua primeira comunhão quando crianças e irem à Igreja com suas famílias. Eles guardaram terços para proteção e rezavam quando as bombas caíam. “Não acredito que nenhum de nós seja totalmente ateu”, disse Elkin Sepúlveda, que aderiu às Farc com 15 anos. “Todos temos em nossa cabeça os costumes de nosso avós. E, na maioria, nossos lares eram católicos.”

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LUIS ROBAYO/AFP À espera. Vendedor aproveita visita do papa Francisco à Colômbia; pontífice ficara 4 dias no país e visitará 4 cidades
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