O Estado de S. Paulo

O embate EUA-China

- MONICA DE BOLLE E-MAIL: MONICA.DEBOLLE@GMAIL.COM MONICA DE BOLLE ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS ECONOMISTA, PESQUISADO­RA DO PETERSON INSTITUTE FOR INTERNATIO­NAL ECONOMICS E PROFESSORA DA SAIS/JOHNS HOPKINS UNIVERSITY

Não é surpresa alguma que a administra­ção Trump enxergue a China como o grande inimigo no palco econômico internacio­nal. Pouco antes de ser demitido de sua função como conselheir­o de Trump, o ex-dirigente da campanha Trumpista e incendiári­o nacionalis­ta econômico Stephen Bannon – nacionalis­ta econômico é como o próprio Bannon se define – concedeu entrevista em que afirmou estarem os EUA engajados em uma guerra econômica com o país asiático. Alguns influentes estudos acadêmicos recentes, especialme­nte a badalada pesquisa empírica de David Autor (MIT), David Dorn (Universida­de de Zurique), e Gordon Hanson (Universida­de da Califórnia, San Diego) intitulada “The China Shock: Learning from Labor Market Adjustment to Large Changes in Trade”, sugerem que a ascensão chinesa provocou deslocamen­to brutal no mercado de trabalho americano, alimentand­o tanto a retórica quanto as ações protecioni­stas do governo Trump.

Como mostram pesquisas recentes do Peterson Institute for Internatio­nal Economics onde trabalho, a administra­ção Trump não tardou em usar dispositiv­os previstos nas leis comerciais americanas como subterfúgi­o protecioni­sta. Em vez de solapar as importaçõe­s chinesas com uma tarifa de 45% conforme prometido durante a campanha, o governo tem usado diversos mecanismos unilaterai­s previstos pela legislação para conter a entrada de produtos estrangeir­os, sobretudo os provenient­es da China. O mais controvert­ido até agora foi o uso de mecanismos de “proteção da segurança nacional” para controlar as importaçõe­s de aço e alumínio. Sob esse pretexto, os EUA podem alargar a cobertura de produtos que “ferem a segurança nacional”, adotando tarifas seletivas e outras medidas protecioni­stas. Entre os parceiros mais afetados pela invocação da chamada seção 232 do Trade Expansion Act de 1962 estão os três maiores parceiros comerciais dos EUA, a saber, o Canadá, a China, e o México.

Mas, não é apenas nas ações já tomadas que se vê a beligerânc­ia do governo Trump na área comercial. As ameaças de extinguir o Nafta, o tratado de livre comércio com o Canadá e o México em vigor desde 1994, e de enterrar o Korus, o tratado de livre comércio com a Coreia do Sul assinado em 2012, são também exemplos da visão estreita que tem a adiministr­ação a respeito das relações comerciais. No caso da Coreia do Sul, o sexto maior parceiro comercial dos EUA e aliado estratégic­o importante dos americanos, o fim do Korus poria em risco o fragilíssi­mo equilíbrio geopolític­o da península coreana, cada vez mais visível nos testes de mísseis e bombas conduzidos dia sim, outro quase também, pela Coreia do Norte. O mais recente teste de uma suposta bomba de hidrogênio pelo regime de Kim Jong-un levou o presidente americano a afirmar que entre as possíveis medidas de retaliação estaria a suspensão do comércio internacio­nal com todos os parceiros da Coreia do Norte. O principal parceiro comercial da Coreia do Norte? A China, responsáve­l por 90% dos fluxos de comércio para essa pequena economia. Os chineses compram carvão e produtos minerais dos norte-coreanos, suprindo-os de alimentos e combustíve­is. Por que o fazem, apesar do

Se a Coreia do Norte já é perigosa, imaginem o que não seria se virasse um estado falido

perigo nuclear desse volátil país? Antes de tudo, para garantir a estabilida­de na região. Se a Coreia do Norte é perigosa com alguma sustentaçã­o econômica, imaginem o que não seria se virasse um estado falido do dia para a noite, sem o apoio direto e indireto dos países da região. A questão é demasiado complexa para ser resolvida por uma bravata de Trump.

Contudo, se Trump resolvesse parar o comércio com a China para pressioná-la com a Coreia do Norte, seriam inúmeras as consequênc­ias indesejáve­is. Entre elas, está o risco de retaliação chinesa, e os danos que tal risco traria tanto para a economia americana, quanto para a economia global. O porta-voz do Ministério das Relações Exteriores da China disse sem qualquer ambiguidad­e que as ameaças de Trump são “inaceitáve­is”.

Enquanto as bolsas e os mercados comportam-se como tudo estivesse funcionand­o na mais normal das normalidad­es, amplificam-se os riscos econômicos, políticos, e geopolític­os do embate sino-americano. Dessa cacofonia não sairão ilesos os países emergentes.

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