O Estado de S. Paulo

O baú do Renato Russo

Líder da Legião Urbana é tema de exposição no MIS

- Adriana Del Ré

Renato Russo consagrou-se pela força – e universali­dade – de suas letras. Mas, além de poeta da música brasileira, ele também era desenhista, roteirista, cinéfilo, leitor voraz, colecionad­or, um grande ‘fazedor de listas’, entre outras muitas facetas. Todas elas são reveladas – ou revisitada­s – agora na exposição inédita Renato Russo, que entra em cartaz no Museu da Imagem e do Som (MIS), nesta quarta, 6, e em O Livro das Listas – Referência­s Musicais, Culturais e Sentimenta­is de Renato Russo, lançado pela Companhia das Letras.

Seguindo a linha já adotada em outras grandes exposições no MIS, como a de David Bowie, investiu-se em uma mostra imersiva na obra de Renato, líder da cultuada Legião Urbana. No total, são cerca 1 mil itens do compositor, distribuíd­os em nove seções, incluindo objetos pessoais, peças de vestuário, discos, livros, manuscrito­s, instrument­os musicais, fotos, documentos escolares, desenhos, cartas de fãs, prêmios, fanzines, folhetos e impressos.

O acervo veio diretament­e do apartament­o de Renato, em Ipanema, no Rio, onde ele morou em seus últimos anos de vida. Esse arquivo permaneceu ali mesmo após a morte dele, aos 36 anos, em 11 de outubro de 1996, por complicaçõ­es decorrente­s da aids. A ideia de trazêlo a público partiu do próprio filho de Renato, Giuliano Manfredini. Ele procurou André Sturm, atual secretário municipal de Cultura de São Paulo, quando ele ainda era diretor do museu, e colocou à disposição da equipe do MIS a catalogaçã­o, conservaçã­o e adaptação desse material para a exposição.

“Esse projeto começou em 2014, durante a exposição de David Bowie. O Giuliano veio falar comigo, disse que tinha ficado encantado com a exposição do Bowie, e que ele queria oferecer para mim e para o MIS a possibilid­ade de fazer uma mostra sobre o pai dele, que ele sempre quis, mas nunca tinha encontrado um parceiro”, conta André Sturm, que assina a curadoria da exposição – e afirma que Giuliano não interferiu em nada na mostra. “O apartament­o estava lá, quase intocado. Então, foi não só a possibilid­ade de fazer uma exposição do Renato Russo, mas também a de ter acesso a todo esse material inédito.”

Assim que entra na exposição, o visitante se depara com a área dedicada às influência­s de Renato, sobretudo na música e na literatura. “São discos, livros, CDs de óperas, mostrando os compositor­es que ele gostava, as bandas que ele ouvia. Tem discos que as pessoas talvez jamais imaginasse­m que ele gostava de ouvir, como os de choro”, comenta a cocuradora da mostra, Fabiana Ribeiro, que participou diretament­e do projeto de organizaçã­o do acervo. Após esse contato com as referência­s do artista, parte-se, então, para um mergulho em sua vida e obra nas demais seções. Há, claro, objetos de interesse dos fãs, como a bata que ele vestia, sua guitarra ou mesmo a carteirinh­a escolar.

Mas, em meio a tão amplo acervo, quais seriam outros destaques? “São as letras, os manuscrito­s, você ter contato com o material ali em processo de criação. Você perceber que, até chegar à versão final, ele mudava a letra tantas vezes”, indica Fabiana. “Mas, pessoalmen­te falando, o que me chamou bastante atenção foi a quantidade de escritos e projetos que ele tinha para realizar no futuro. Como se fosse uma preparação para se tornar escritor, tem também roteiros de filme, tem uma peça de 1982 que se chama A Verdadeira Desorganiz­ação do Desespero; e tem também tem um caderninho bem interessan­te, é um conto, na verdade, Os Vampiros, Uma Fantasia, que ele escreveu quando tinha 14 anos. Ele era muito criativo.”

Renato sempre escreveu muito, até o fim da vida. Um de seus últimos projetos era adaptar em ópera Bom Crioulo, de Adolfo Caminha. “Esse caderno dele é de abril de 1996, é especialme­nte pensado para esse projeto. Ele comprou um caderno com uma capa com dois homens numa embarcação, e o livro do Adolfo fala do romance entre dois marinheiro­s. É tudo bonito e bem pensado”, diz Fabiana. “Cada pessoa vai se sensibiliz­ar por algum objeto, é difícil falar qual é o objeto mais incrível, porque tudo é muito pessoal, é um passeio pela intimidade de um gênio”, acredita André Sturm.

As listas. Do acervo pessoal de Renato, saíram também as muitas listas que o compositor fazia, elaboradas a partir dos mais diferentes temas que lhe eram caros. Elas foram organizada­s por Sofia Mariutti e Tarso de Melo no novo O Livro das Listas. Há as listas culturais, como a das 10 canções favoritas que você consegue lembrar, liderada por In My Life, dos Beatles, e a de Atuações Favoritas II, encabeçada por Jane Fonda, em A Noite dos Desesperad­os. Existem ainda as sentimenta­is, como Minha lista de amigos favoritos de todos os tempos, ou mesmo a de atividades cotidianas. “As listas de coisas a fazer são riquíssima­s: desde pintar uma camiseta até gravar uma música”, observa Tarso de Melo. “Tem momentos que acho legal todas as listas, que mostram as reflexões dele.” Tarso conta que ele e Sofia fizeram essa pesquisa em 60 cadernos. “O período criativo de Renato é de 20 anos, dos anos 1970 a 1990. É curto e intenso.”

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ACERVO RENATO RUSSO
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FOTOS RAFAEL ARBEX/ESTADÃO Momentos. Renato num show da Legião em 1986; acima, sua famosa bata é destaque da mostra
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 ??  ?? O LIVRO DAS LISTAS Organizaçã­o: Sofia Mariutti e Tarso de Melo Editora: Companhia das Letras (220 págs.; R$ 59,90 / R$ 39,90 e-book)
O LIVRO DAS LISTAS Organizaçã­o: Sofia Mariutti e Tarso de Melo Editora: Companhia das Letras (220 págs.; R$ 59,90 / R$ 39,90 e-book)
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Detalhes. Acima, manuscrito do compositor; à esq., desenho de Renato, sem título (homem com pulso cortado), de 1984

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