O Estado de S. Paulo

PARA JURISTAS, O JUIZ PODE ANULAR A DELAÇÃO

- / GABRIEL MANZANO

A enxurrada de revelações sobre o que fizeram e disseram o empresário Joesley Batista e seus auxiliares – trazida ontem à luz pelas novas fitas chegadas a Rodrigo Janot – pode justificar a anulação da delação contra o presidente Temer? Três renomados juristas consultado­s pela coluna – Carlos Ari Sundfeld, René Dotti e Miguel Reale Jr. – avaliam que, em tese, sim, mas ponderando que “as decisões de um juiz podem ter sempre uma carga de subjetivid­ade”.

Um dos pontos para o qual os três chamaram a atenção é que, por lei, o delator não pode omitir nada – e há indícios de que esse item não foi cumprido no acerto Joesley-Janot. Outro ponto diz respeito à obtenção de provas – elas podem ser anuladas se ficar claro que foram obtidas de forma ilícita.

A chamada “colaboraçã­o premiada” surgiu com a lei 12.850,de 2013, e é um meio de prova que deve ser homologado pelo juiz. “Ela determina que, se um delator mente, se não entrega todas as provas prometidas, o juiz tem motivos para rescindir o contrato – pois é um contrato o que liga as duas partes”, observa Sundfeld. De que forma ocorreria a eventual rescisão do acordo? “Cabe ao MPF se manifestar, se perceber uma anormalida­de”, acrescenta. “O MP apresenta uma consideraç­ão, na ação penal, argumentan­do que o delator não fez jus ao beneficio. Normalment­e, a defesa do delator tentará provar que ele cumpriu, sim, o prometido”. E cabe ao juiz decidir, “o que nem precisa acontecer no final, pode ser no decorrer da investigaç­ão”. A outra questão, a de que o delator não pode omitir nada, é crucial, pela soma de fatos evidenciad­os nas fitas: Miguel Reale Jr. destaca a hipótese de se anular as provas “dada a forma ilícita como foram obtidas” – pois, em seu entender, “a gravação foi industriad­a para se obter um determinad­o resultado”.

Configura-se, então, um quadro em que a delação contra Temer possa ser invalidada? “Sim”, avalia René Dotti. “Os atos processuai­s devem atender a requisitos que a Constituiç­ão e o Código de Processo Penal estabelece­m.” O jurista paranaense diz ainda que “é evidente” que a nulidade de um ato “implica na nulidade (ineficácia) dos atos dela dependente­s” – como diz o art. 573, parágrafo 1º do CPP. Sendo assim, não é possível considerar válidos os elementos de prova colhidos em uma delação considerad­a nula”. E qual pode ser o peso, na decisão do juiz, das afirmações desrespeit­osas a várias figuras públicas? “Peso nenhum”, avisa Sundfeld. Se fossem públicas, elas poderiam ser vistas como um crime contra a honra. “Mas foram dadas em particular.”

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