PARA JURISTAS, O JUIZ PODE ANULAR A DELAÇÃO
A enxurrada de revelações sobre o que fizeram e disseram o empresário Joesley Batista e seus auxiliares – trazida ontem à luz pelas novas fitas chegadas a Rodrigo Janot – pode justificar a anulação da delação contra o presidente Temer? Três renomados juristas consultados pela coluna – Carlos Ari Sundfeld, René Dotti e Miguel Reale Jr. – avaliam que, em tese, sim, mas ponderando que “as decisões de um juiz podem ter sempre uma carga de subjetividade”.
Um dos pontos para o qual os três chamaram a atenção é que, por lei, o delator não pode omitir nada – e há indícios de que esse item não foi cumprido no acerto Joesley-Janot. Outro ponto diz respeito à obtenção de provas – elas podem ser anuladas se ficar claro que foram obtidas de forma ilícita.
A chamada “colaboração premiada” surgiu com a lei 12.850,de 2013, e é um meio de prova que deve ser homologado pelo juiz. “Ela determina que, se um delator mente, se não entrega todas as provas prometidas, o juiz tem motivos para rescindir o contrato – pois é um contrato o que liga as duas partes”, observa Sundfeld. De que forma ocorreria a eventual rescisão do acordo? “Cabe ao MPF se manifestar, se perceber uma anormalidade”, acrescenta. “O MP apresenta uma consideração, na ação penal, argumentando que o delator não fez jus ao beneficio. Normalmente, a defesa do delator tentará provar que ele cumpriu, sim, o prometido”. E cabe ao juiz decidir, “o que nem precisa acontecer no final, pode ser no decorrer da investigação”. A outra questão, a de que o delator não pode omitir nada, é crucial, pela soma de fatos evidenciados nas fitas: Miguel Reale Jr. destaca a hipótese de se anular as provas “dada a forma ilícita como foram obtidas” – pois, em seu entender, “a gravação foi industriada para se obter um determinado resultado”.
Configura-se, então, um quadro em que a delação contra Temer possa ser invalidada? “Sim”, avalia René Dotti. “Os atos processuais devem atender a requisitos que a Constituição e o Código de Processo Penal estabelecem.” O jurista paranaense diz ainda que “é evidente” que a nulidade de um ato “implica na nulidade (ineficácia) dos atos dela dependentes” – como diz o art. 573, parágrafo 1º do CPP. Sendo assim, não é possível considerar válidos os elementos de prova colhidos em uma delação considerada nula”. E qual pode ser o peso, na decisão do juiz, das afirmações desrespeitosas a várias figuras públicas? “Peso nenhum”, avisa Sundfeld. Se fossem públicas, elas poderiam ser vistas como um crime contra a honra. “Mas foram dadas em particular.”