O Estado de S. Paulo

Quase-brasileiro, Devendra traz sua quase-melancolia

Músico norte-americano, fã de Caetano Veloso e Tropicália, promove turnê de sete datas pelo Brasil

- Pedro Antunes

De tão próximo ao Brasil, Devendra Banhart começa a se correspond­er com o Estado, por email, com uma breve e adorável saudação, mezzo em português, mezzo espanhol e sem acentos. “Hola, um prazer correspond­ente com voce.” No restante, ele opta por voltar ao inglês, a línguamãe do músico nascido no Texas e criado na Venezuela, país deixado por ele ainda na adolescênc­ia para voltar aos Estados Unidos.

E talvez seja a ascendênci­a latina, talvez Devendra tenha sido picado por algum mosquito e se infectado com a tropicália durante o período, mas o fato é que o músico de 36 anos tem, em sua carreira, uma longa e intensa relação com a música brasileira. Fã de Caetano Veloso, a quem já encontrou e com quem tocou, ele também foi influencia­do por Tom Zé e Secos e Molhados. Já gravou músicas em português e dividiu o palco com seus ídolos.

“Eu me sinto tão apaixonado e conectado com o Brasil”, derrete-se. Agora, o amigo próximo de Rodrigo Amarante (Los Hermanos) e Fabrizio Moretti (The Strokes) inicia sua maior turnê por terras brasileira­s. “Mal posso esperar (para voltar)”, diz, quatro anos desde a última passagem pelo País.

E, dessa vez, é até possível acreditar na devoção descrita pelo músico. Afinal, serão sete apresentaç­ões em nove dias – sim, nove! – pelo País, a começar por esta quarta-feira, 6, no Rio de Janeiro, em um evento organizado pelo site Queremos. Na sequência, ele segue para Recife (dia 7), Salvador (dia 8), Belo Horizonte (dia 10), São Paulo (dia 12), Curitiba (dia 13) e Porto Alegre (dia 14). A apresentaç­ão em São Paulo, que integra a programaçã­o do festival Popload Gig, terá a abertura da banda O Terno.

O Devendra que desembarca no Brasil, contudo, não é mais aquele muso tilelê do início da carreira, de longas cabeleira e barba, do começo dos anos 2000. Também não soa mais como se Lou Reed tivesse passado uma temporada debaixo do sol dos trópicos, tal qual no fim da década passada, de quando veio o hit Baby, provavelme­nte a canção mais popular do norte-americano, lançada no disco What Will We Be, o sétimo da carreira, de 2009.

A partir de um hiato que levou quatro anos e chegou ao fim com Mala, de 2013, Devendra reascendeu como um artista minimalist­a até quando suas canções são acrescenta­das de apetrechos sonoros. “Desde Mala, consegui amadurecer e ficar mais confortáve­l comigo mesmo, com o silêncio e o espaço, com a calmaria”, explica.

O álbum de 2013 expõe a transição. O momento no qual Devendra percebe ser possível olhar para dentro de si. A começar por Golden Girls, a canção de abertura, com seus vocais sussurrado­s e o violoncelo­s atormentad­ores. Os dias solares não chegaram ao fim para o músico, mas ele soa como se a estação tivesse mudado. Do verão, chegamos ao outono, que ainda nos faz suar, mas também nos obriga, em certos dias, a buscar os casacos no armário.

Ape in Pink Marble, o mais recente trabalho de Devendra, lançado em setembro do ano passado, é a continuaçã­o do caminho percorrido pelo músico na nova fase – até a barba e o cabelo estão curtos, vejam só. A introspecç­ão faz o ouvinte caminhar devagar, numa audição tão vagarosa quanto a composição do álbum, de verso a verso, acorde a acorde, por dias a fio. Não é melancólic­o. É quase. Afinal a visão de Devendra do que há ao redor não se turva nem mesmo nos dias mais nublados. Mantemos o clima e atmosfera que mostramos no disco anterior”, concorda Devendra. “(As músicas) são pequenas cenas tragicômic­as que acontecem em algum hotel em ruínas, embora aconchegan­te, em algum distrito bastante isolado do Japão.” Precisa ser mais imagético que isso?

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Calmaria. ‘Consegui amadurecer e ficar mais confortáve­l comigo mesmo, com o silêncio e o espaço’
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Warner Music; R$ 39 e plataforma­s digitais
‘Ape in Pink Marble’ DEVENDRA BANHART Warner Music; R$ 39 e plataforma­s digitais

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