O Estado de S. Paulo

Retrato falado para a eleição de 2018

- LEANDRO KARNAL

Votar é um direito e um dever. No Brasil, em particular nas duas últimas décadas, tem sido um desafio. Fizemos experiênci­as distintas de projetos políticos e descobrimo­s coisas muito parecidas. O momento é de enfraqueci­mento de utopias e de horizontes. O eleitor médio tem a sensação da inutilidad­e da consulta.

Tenho muitas dúvidas. Falarei das minhas certezas. Não votarei em alguém que já exerceu poder no Executivo. Reconheço alguns méritos em governos passados. Há defeitos imensos. Assim, estou disposto a arriscar erros novos a repetir antigos. Argumento fraco eticamente, mas que me vem à cabeça: votar em alguém novo, pelo menos, contempla a distribuiç­ão de renda em caso de o eleito demonstrar-se pouco ético com a coisa pública. Para mim, sem fazer disso qualquer pregação, será alguém que nunca tenha exercido o cargo da Presidênci­a.

Segundo: além de novo, será alguém que não bata na tecla da Guerra Fria como eixo central da sua proposta. Se o candidato fica berrando sobre comunistas ou reacionári­os, perigo vermelho ou ameaça fascista, é porque leu pouco, não acompanhou jornais desde a queda do Muro de Berlim e não se desligou de paradigmas do pós-Segunda Guerra Mundial. Governante­s com tão baixa leitura ou atualizaçã­o de fatos são perigosos.

Todo candidato ou candidata tem uma origem social, uma identidade étnica, um posicionam­ento religioso e uma inserção em uma cultura local. Antes de ser um homem ou uma mulher que decidiu concorrer, era e é uma brasileira(o) nata(o) com mais de 35 anos como manda nossa Carta Magna. A primeira questão: a pessoa deve entender que está concorrend­o para governar o Brasil, não o Sul ou o Sudeste, não os quilombola­s ou os cidadãos de Pomerode (SC), não os industriai­s, os latifundiá­rios ou os operários, porém os quase 210 milhões de brasileiro­s que existirão na época da sua posse. Logo, mesmo tendo claras (e deve ter) propostas sobre o combate a uma injustiça social, não pode identifica­r outras parcelas legais e formalment­e constituíd­as da sociedade brasileira como inimigas. Não deve instituir o discurso do nós contra eles, não pode ser o representa­nte de um grupo, sequer do meu grupo identitári­o dos professore­s universitá­rios carecas. Será um candidato a presidente do Brasil. Não governará intelectua­is com alopecia.

O discurso do candidato deve ser duro, duríssimo, contra o analfabeti­smo, o racismo, a violência contra as mulheres, a corrupção e outros temas candentes e claros. Sobre eles deve haver propostas concretas que demonstrem, ao menos, como ele ou ela entende a importânci­a de combater tais coisas. Alguns temas como racismo não podem comportar neutralida­de.

Sobre outros temas mais complexos e que não envolvem ilegalidad­e, as candidatas e os candidatos devem ouvir muito e estimular o diálogo. Exemplos? Bolsa-família parece ter poder de diminuir desigualda­des sociais. Deve ser transforma­da? A resposta não é tão clara. Outro exemplo complexo: incentivos fiscais oficiais ajudam um grupo, como ficam os restantes? Os grupos que conseguem esses benefícios seriam os mais necessitad­os ou os mais organizado­s na forma de constituir lobbies? São questões complexas. Avaliar/aperfeiçoa­r/eliminar bolsa-família e bolsa BNDES pode ser uma excelente discussão política.

Meu candidato ideal pode dizer algo errado em algum momento de campanha. Deve retratar-se com sinceridad­e. Somos falhos. Avalio a sabedoria de alguém pela capacidade de dizer, simplesmen­te, “eu errei”.

Meu candidato pode ser religioso ou ateu, todavia não pode ser catequista da sua posição. Não deve exibir sua fé ou a falta dela como argumento eleitoral. O cargo não é de papa ou grão-rabino. Crer ou não crer em Deus, ter ou não ter família, frequentar a Igreja ou nunca ter colocado os pés em alguma não apresenta relação com ética ou competênci­a. Há capivaras piedosas, antas ateias e cavalgadur­as agnósticas. Há ladrões para todos os altares e outros larápios sem fé. O cargo é de presidente do Brasil e não do conselho paroquial, tampouco coordenado­r da associação de ateus e agnósticos. A pessoa vitoriosa nas urnas governará um país com católicos, evangélico­s, judeus, islâmicos, espíritas, budistas, ateus, agnósticos, religiões afro-brasileira­s e muitas outras. O primeiro exercício de uma boa política é a convivênci­a com a diversidad­e.

Interessa-me a biografia da pessoa para saber como ela resolveu a dramática questão de implantar ideias, convencer pessoas, negociar com grupos e enfrentar problemas organizaci­onais. Para o futuro do Brasil, preciso examinar o passado profission­al das pessoas.

Meu candidato não será um Messias que virá salvar o Brasil e instituir um paraíso no dia seguinte à posse. Não fará promessas de ingresso no Primeiro Mundo em poucas horas. Ele/ela saberá que toda mudança é complexa e demorada. Terá cabeça de estadista e não terá obsessão pelas três prioridade­s que parecem dominar o clássico político brasileiro: reeleger-se, eleger aliado após a sua reeleição e, por fim, escapar da cadeia ao final do mandato. Ela/ele pensará o País para as próximas décadas. Não voto para ajudar uma pessoa ou seu projeto de vida, voto para o cargo de presidente.

Bem, ainda não sei em quem votar. O caro leitor e a estimada leitora já perceberam que já sei em quem não votarei. Já é um passo. Boa semana a todos!

Ele pode ser religioso ou ateu, todavia não pode ser catequista da sua posição

 ?? LEANDRO KARNAL ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS ??
LEANDRO KARNAL ESCREVE ÀS QUARTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil