O Estado de S. Paulo

Pesquisas de ponta buscam ‘maquiagem inteligent­e’

Texturas que se transforma­m na pele fazem do cuidado com o corpo uma experiênci­a lúdica e surpreende­nte

-

Asociedade egípcia da Antiguidad­e, de 4 mil anos atrás, ficou famosa pela importânci­a que dava à higiene e à prevenção de enfermidad­es. Ao menos nas famílias dos faraós, eram frequentes banhos diários com areia, argila e cinzas. A preocupaçã­o com o bem-estar é ancestral, mas no século 21, a tecnologia tem elevado os cuidados com o corpo a outros patamares. No lugar de areia e terra do fundo do Nilo, produtos que, além de eficientes, promovem experiênci­as sensoriais.

No Brasil e no mundo, a indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos une esforços com universida­des e centros de pesquisas para, no laboratóri­o, reproduzir as mais inacreditá­veis texturas. Que tal um creme anti-idade que, quando aplicado, encontra sozinho as regiões que mais precisam de reparo? Ou um dispositiv­o eletrônico que, em contato com o rosto, solta um adesivo com microagulh­as que liberam ingredient­es nutritivos? Depois, por um aplicativo, é só conferir os níveis de hidratação.

As inovações chegam de toda parte. Japão e Coreia do Sul disputam a liderança na Ásia. No ocidente, a corrida é entre França, o berço da cosmetolog­ia, e Estados Unidos, onde mais se compram produtos de cuidados pessoais. O Brasil também é ator importante: quarto maior mercado consumidor do mundo — atrás apenas de EUA, China e Japão —, faturou R$ 42,6 bilhões em 2015 com a venda de artigos do gênero.

Primeiro, o País se transformo­u em figura aguardada nos congressos e eventos de estética, devido a seu potencial de consumo. Depois, passou a ser ouvido como inovador. O estudo State of Innovation 2016, realizado pela área de negócios de Propriedad­e Intelectua­l e Ciência da Thomson Reuters, colocou a Universida­de de São Paulo (USP) e Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp) entre as instituiçõ­es mais produtivas em pesquisa de cosméticos no mundo — primeira e oitava colocações, respectiva­mente.

Entre 2005 e 2015, a USP publicou 177 artigos relacionad­os ao tema. Muito à frente da segunda colocada, a Food and Drug Administra­tion, agência regulatóri­a dos Estados Unidos, com 108 publicaçõe­s. Também deixou para trás grandes empresas do setor, e a Universida­de Harvard (83). Já a Unicamp publicou 78 vezes, superando a Universida­de de Los Angeles (70) e a Universida­de da Califórnia — São Francisco (68).

Dos artigos produzidos pela USP, 77 (43,5%) saíram do grupo de pesquisa da coordenado­ra do Núcleo de Estudos Avançados em Tecnologia de Cosméticos (Neatec) da Faculdade de Ciências Farmacêuti­cas de Ribeirão Preto, Patrícia Maia Campos. O segredo, segundo ela, foi priorizar os projetos com apelo comercial e firmar parcerias com o setor privado. “Há 20 anos, ninguém dava atenção a esse tipo de pesquisa, mas o Brasil se tornou um mercado importante”, diz Patrícia.

SENTINDO NA PELE

Refrescânc­ia e calor, texturas e cores diversas. Diante de um mercado cada vez mais competitiv­o, oferecer ao consumidor aspectos sensoriais é um diferencia­l importante, avalia Flávia Addor, membro do Conselho Científico do Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ITEHPEC) — braço de inovação da Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC). “As caracterís­ticas sensoriais são a primeira impressão para garantir a fidelizaçã­o a uma marca.” Flávia, que é integrante da Academia Americana de Dermatolog­ia, tem acompanhad­o de perto as novidades na área. “Chamam minha atenção alguns cremes anti-idade com efeito ‘tensor imediato’, que remove rugas em segundos.” Ela cita ainda produtos para controlar a oleosidade da pele que, apesar de líquidos, quando aplicados, transforma­m-se em pó.

Efeito semelhante é observado na maquiagem inteligent­e. Embora saia do frasco como um gel, a textura também se converte em pó. Ao espalhá-lo, ele se ajusta ao tipo de pele, dando a coloração ideal sem deixar vestígios de que se trata de maquiagem. “É como se fosse uma segunda pele. E é multifunci­onal: além de maquiar, hidrata e controla a oleosidade”, enumera Patrícia, da USP.

INSPIRAÇÃO NA NATUREZA

A busca por ativos da natureza é outra tendência forte nas pesquisas voltadas para o setor de cuidados pessoais. A coordenado­ra do Neatec, por exemplo, criou um creme à base de uma microalga que atraiu atenção internacio­nal. “Desenvolve­mos um cosmético que melhora a elasticida­de, a hidratação, proporção e a oleosidade da pele.” Outra aposta da professora é um filtro solar à base de ginkgo biloba, que aprimora a textura e a elasticida­de, estimula a renovação celular e diminui rugas. O produto rendeu parceria com o Centre de Recherches et d’Investigat­ions Epidermiqu­es et Sensoriell­es, da França. “Também firmamos acordos com empresas do Japão e universida­des na Alemanha e em Portugal”, comenta.

No caso do mercado de perfumes, o uso de ingredient­es naturais é particular­mente promissor. Para Roberto Fontes Vieira, da Embrapa Recursos Genéticos e Biotecnolo­gia, a biodiversi­dade brasileira coloca o Brasil em vantagem na comparação com os concorrent­es. Além de dar vida a novas fragrância­s, a prospecção de plantas conserva biomas. “Com o uso industrial delas, cria-se a necessidad­e de se preservar as áreas em que ocorrem”, explica.

É odes ti noques e espera para uma região no mar do Vietnã, de onde se extrai o “caviar verde”, alga que cresce em forma de pequenas esferas. Rico em proteínas, seu extrato faz dele um reconstrut­or de fibras tão poderoso que é capaz de reparar os danos dos três últimos procedimen­tos químicos realizados no cabelo.

Recorrera elementos da natureza para cuidar do corpo não é coisa de hoje — que o digam os egípcios. O que os faraós não poderiam imagina ré o quão sofisticad­as e diversas se tornariam as opções para melhorar o bem-estar.

Além de estar entre os maiores mercados consumidor­es de produtos de higiene pessoal, Brasil é um dos líderes em produção científica nessa área

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil