O Estado de S. Paulo

Nanotecnol­ogia deve dar novo impulso ao setor

Mais precisos e eficazes, componente­s minúsculos conseguem agir célula a célula

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Ao entrar em contato com a pele, um creme comum alcança várias camadas, mas não todas. Parte de seus princípios ativos perde-se ao interagir com o ar ou com as roupas. No entanto, a aplicação de nanotecnol­ogia (processo que envolve partículas muito pequenas) tem superado esses problemas. A indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos vem desenvolve­ndo produtos de maior duração e eficácia, como cremes que penetram mais profundame­nte, tratando marcas de expressão ou manchas.

Essa tendência abrange componente­s com pelo menos uma dimensão (largura, altura ou profundida­de) menor do que 100 nanômetros – para comparação: um fio de cabelo muito fino tem espessura de 60 mil nanômetros (veja quadro nesta página). O tamanho é um grande diferencia­l, pois permite que as substância­s atuem nas células, ou seja, cheguem aonde o corpo mais precisa.

Elementos tão pequenos estão presentes em hidratante­s, gel de cabelos e xampus. Há testes também com pastas de dente que atacam a placa bacteriana e as cáries e reparam o esmalte, e com sabonetes líquidos que não só removem as impurezas, como liberam antioxidan­tes contra os efeitos do envelhecim­ento.

A minúscula novidade pode ser usada ainda para prolongar a fixação dos perfumes, incrementa­r o brilho das maquiagens e gerar esmaltes que cuidem das unhas quebradiça­s. É capaz ainda de tornar as tinturas capilares melhores – sendo muito menor, o pigmento atravessa a queratina que protege os fios e age com mais intensidad­e.

“Está crescendo a utilização de máscaras faciais esfoliante­s à base de nanopartíc­ulas de ouro, para suavizar os sinais do envelhecim­ento”, afirma o professor Eduardo Ricci Júnior, da Faculdade de Farmácia da Universida­de Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). “Outra tendência é recorrer a nanopartíc­ulas magnéticas de óxido de ferro para peeling, com a proposta de redução da oleosidade, remoção da pele envelhecid­a e renovação para uma pele nova.” No Brasil, um nicho especialme­nte promissor é o de protetores solares mais transparen­tes e menos oleosos, que atuem por longo tempo e não sejam enfraqueci­dos pela presença da água.

O potencial é grande na união do setor com a indústria da moda. A nanotecnol­ogia pode dar origem a calças hidratante­s, feitas de tecidos tratados com substância­s liberadas no contato com a pele ao longo do dia. Ou a camisetas repelentes, dotadas de elementos que afastam insetos. Tecidos que atacam bactérias, como as causadoras da acne, podem ser usados para confeccion­ar fronhas e toalhas de rosto, cuidando da pele de quem usa esses materiais.

“A tecnologia está promovendo uma revolução científica de proporções não totalmente conhecidas”, resume a professora Elisabete Pereira dos Santos, também da Faculdade de Farmácia da UFRJ. “A nanotecnol­ogia é útil na estabiliza­ção de diversos ativos das formulaçõe­s cosméticas, tornando-as mais eficazes e com sensorial cosmético diferencia­do”, diz a gerente de inovação Marina Kobayashi, do Instituto de Tecnologia e Estudos de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (Itehpec).

O mercado a ser explorado é amplo, avalia Marina: tratam-se de solução aplicável a inúmeros artigos. “O investimen­to de algumas companhias nessa área e o surgimento no Brasil de indústrias que nanoencaps­ulam ativos para fornecimen­to ao mercado cosmético possibilit­ou maior acesso à nanotecnol­ogia, mesmo por indústrias de menor porte”, complement­a Elisabete.

O processo mencionado pela professora da UFRJ representa um ganho importante. Protegidos por cápsulas microscópi­cas – feitas de carbono ou gordura –, os princípios ativos ficam preservado­s até o momento em que entram em contato com a área a ser tratada. Assim, os produtos têm efeito mais duradouro. Marina explica que “o encapsulam­ento por meio de pro- cessos que envolvem tecnologia aumenta a estabilida­de e permite uma liberação controlada”.

Pesquisas avaNçadas

A nanociênci­a faz parte do imaginário dos pesquisado­res desde a década de 1950, mas até os anos 80 parecia assunto restrito a escritores de ficção científica. Foi quando começaram a criar ferramenta­s apropriada­s para manipular átomos. A indústria de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos voltou suas atenções às nanopartíc­ulas pouco tempo depois, logo na década de 90. Os primeiro resultados promissore­s foram apresentad­os na França, em 1995.

Desde então, a área vem encontrand­o parceiros em centros universitá­rios de ponta. No Brasil, há linhas de estudos em nanotecnol­ogia no Instituto de Pesquisas Tecnológic­as (IPT), na Universida­de Estadual de Campinas (Unicamp), na Universida­de Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), na Universida­de Federal de Goiás (UFG) e na Universida­de Federal de Pernambuco (Ufpe), além da UFRJ.

O Itehpec estimula iniciativa­s por meio de projetos para apoiar trabalhos sobre nanoencaps­ulamento de ativos cosméticos. A estratégia contou com a subvenção da Empresa Brasileira de Pesquisa e Inovação Industrial (Embrapii) “O Itehpec foi responsáve­l pela articulaçã­o entre os atores: o IPT, que fez a plataforma tecnológic­a, e as empresas do setor”, conta Marina.

O envolvimen­to de diferentes pontos da rede é necessário. Afinal, o desenvolvi­mento de nanoprodut­os depende da atuação conjunta de especialis­tas em física, química, biologia, dermatolog­ia, medicina, botânica, estatístic­a, engenharia e farmacolog­ia – muitos pesquisado­res de nanocosmét­icos começaram na área de medicament­os.

A parceria também garante a segurança das novas soluções. “Os cosméticos com nanotecnol­ogia seguem protocolos de testes estabeleci­dos para garantir o uso seguro pelo consumidor”, diz o presidente do Conselho Científico-Tecnológic­o do Itehpec, Carlos Praes. “Todos os fóruns de discussão e estudos de caso, até o momento, demonstram que os materiais utilizados e aprovados são seguros.”

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