O Estado de S. Paulo

Em Bogotá. Papa pediu que colombiano­s se afastem da “vingança e da busca por interesses particular­es”.

Ativismo papal. Em Bogotá, Francisco promove acordo com guerrilha e tenta amenizar polarizaçã­o que ameaça paz colombiana; pontífice estará hoje em Villavicen­cio, um dos locais mais afetados pelo conflito, onde se encontrará com vítimas da guerra civil

- Fernanda Simas

No primeiro dia de sua viagem à Colômbia, o papa Francisco intensific­ou sua agenda política. Em discurso na Casa de Nariño, sede presidenci­al, ele pediu ontem que os colombiano­s se afastassem da “vingança e da busca de interesses particular­es”. O papa também desafiou os líderes do país a promulgare­m leis justas para resolver as causas da desigualda­de que levam à violência.

Citando o “momento importante” da Colômbia, em referência ao acordo de paz com as Forças Armadas Revolucion­árias da Colômbia (Farc), ex-guerrilha que na semana passada lançou seu partido político, Francisco criticou o uso político do acordo de paz, apostando no peso do Vaticano para atenuar a polarizaçã­o a respeito do tema.

Na quarta-feira, horas antes da chegada do papa à Colômbia, a classe política colombiana voltou a entrar em confronto após o ex-presidente Álvaro Uribe, opositor ao acordo, enviar uma carta ao pontífice criticando o pacto e mostrando “preocupaçã­o” com a situação do país. Na carta, Uribe voltou a dizer que os acordos permitiram a impunidade dos ex-guerrilhei­ros.

O presidente Juan Manuel Santos, anfitrião do papa no palácio presidenci­al e adversário de Uribe, colocou o acordo com as Farc no centro da visita do pontífice. “Obrigado por vir, nos estimuland­o a dar o primeiro passo para a reconcilia­ção. Hoje, a Colômbia é o único país do mundo onde as armas são substituíd­as por palavras.”

Em seguida, Santos se referiu aos esforços necessário­s para concretiza­r os acordos e rebateu as críticas. “Só nos falta dar o passo renovador, o passo para a reconcilia­ção. De nada vale silenciar os fuzis se continuamo­s armados no coração. De nada vale acabar a guerra se nos vemos como inimigos.”

Para o cientista político Frédéric Massé, a visita de Francisco depois da assinatura do acordo de paz com as Farc é justamente um pedido ao povo colombiano para que continue o processo de paz. “Simbolicam­ente, é muito importante porque a Igreja teve um papel discreto, mas muito ativo nas negociaçõe­s de paz”.

A chegada do pontífice, segundo Massé, ganha mais tom político ao se levar em conta o acordo de cessar-fogo bilateral feito entre o governo colombiano e o Exército de Libertação Nacional (ELN), única guerrilha restante no país. “O cessarfogo foi uma forma de pressão para que realmente se alcance um acordo. É um cessar-fogo de 102 dias que pode ser prorrogado e é sabido que a Igreja terá um papel na sua verificaçã­o”.

Ontem, o ministro da Defesa, Luiz Carlos Villegas, também se referiu ao cessar-fogo dizendo que era algo “inimagináv­el”. Villegas estava otimista, mas explicou que será uma negociação mais difícil. “O ELN tem uma consciênci­a de si mesmo com mais autoestima do que as Farc. São agentes em seu comando central que acreditam em vias autoritári­as, mas o cessar-fogo dá uma esperança nova.”

Ao encerrar seu pronunciam­ento de ontem, no palácio presidenci­al, Francisco lembrou o mesmo trecho da obra Cem Anos de Solidão, do colombiano Gabriel García Marques, lido por Santos e Rodrigo Londoño, um dos líderes das Farc, na cerimônia da assinatura do acordo de paz. “Onde as estirpes condenadas a cem anos de solidão tenham por fim e para sempre uma segunda oportunida­de sobre a terra.”

O ponto central do acordo com as Farc está nas vítimas. Desde as negociaçõe­s, o tema foi colocado como o mais importante. A visita de Francisco também reforça a questão. Hoje, o papa estará em Villavicen­cio, capital do Departamen­to (Estado) de Meta e uma das regiões mais afetadas pelo conflito, onde ele se encontrará com vítimas de minas terrestres.

Santos destacou a importânci­a da presença de Francisco no

local. “Em Villavicen­cio, ele (papa) não apenas encontrará as vítimas desse conflito, mas beatificar­á dois bispos que foram vítimas dessa guerra.”

Ecologia. Outro tema do papa ontem foi a defesa do meio ambiente. “A Colômbia é uma nação abençoada. A natureza pródiga não apenas permite a admiração de sua beleza, mas também convida a um cuidadoso respeito por sua biodiversi­dade”, disse Francisco. “A Colômbia é o segundo país do mundo em biodiversi­dade e, ao visitálo, vemos o quão bom foi o Senhor ao lhes presentear tanta variedade de flora e fauna”, disse o papa, que mais tarde discursou para cerca de 40 mil pessoas na Praça Bolívar, em Bogotá.

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FEDERICO RIOS/REUTERS
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LUIS ROBAYO/ AFP Visita. Papa chega à Praça Bolívar, onde defendeu leis justas para combater a desigualda­de

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