PF diz que Janot sabia do elo de Miller com a J&F
Relatório cita mensagens de celular de Wesley Batista que indicam que ex-procurador orientou executivos da J&F; gabinete de Janot nega
Relatório da Polícia Federal aponta indícios de que o gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sabia que o ex-procurador Marcello Miller, ao deixar o cargo, em 5 de abril, atuava de “forma indireta” nas tratativas de colaboração premiada firmada pelos principais executivos da J&F. Em nota, a Procuradoria-Geral da República disse que a informação não procede.
A Polícia Federal viu indícios de que o gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tinha conhecimento de que o ex-procurador Marcello Miller atuava de “forma indireta” nas tratativas que resultaram no acordo de colaboração premiada firmado pelos principais executivos do Grupo J&F. Em nota, a PGR disse que a informação não procede.
As evidências apontadas pela PF são trocas de mensagens encontradas no celular do empresário Wesley Batista, preso ontem (mais informações no caderno de Economia). São diálogos entre executivos da J&F, seus advogados e Miller.
Em uma delas, de 5 de abril, data em que foi publicada no Diário Oficial da União a exoneração de Miller do Ministério Público Federal (MPF), uma das advogadas da J&F fala sobre a viagem que ele faria no dia seguinte para tratar do acordo de leniência do grupo nos Estados Unidos. Em determinado momento, a advogada se diz surpresa ao perceber que, naquele dia, o chefe de gabinete de Janot, Eduardo Pelella, já sabia que Miller atuaria para a JBS no exterior.
“Tais mensagens revelam que membros da Procuradoria-Geral da República tinham ciência de que Marcello Miller estava atuando de forma indireta nas negociações da delação premiada no dia seguinte à sua saída efetiva do órgão”, diz o documento enviado pela PF à Justiça Federal de São Paulo. A informação foi revelada pela revista Veja.
Segundo a PF, Miller já fazia parte do grupo de WhatsApp em que estavam executivos e advogados da J&F, desde o dia 31 de março. O então procurador, no entanto, só publicou a primeira mensagem em 4 de abril, último dia de trabalho no MPF. Ele faz referência a ligações que fez na véspera para os Estados Unidos para tratar de interesses da J&F.
Segundo os investigadores, as mensagens no celular de Wesley indicam que Miller já atuava pela J&F antes do dia 17 de março. Neste dia, Wesley Batista pergunta ao advogado Francisco de Assis se Miller poderia participar de uma reunião em Brasília. “Amanhã ele tem expediente no atual emprego dele e ele não pode, não”, respondeu Assis. Naquele dia, Miller trabalhava no MPF no Rio. Ele pediu exoneração no dia 4 de março, que só foi efetivada em 5 de abril.
Em nota, a PGR disse desconhecer o teor do relatório e afirmou se tratar “de conversas de terceiros fazendo suposições”. “Os integrantes da equipe do procurador-geral da República só foram informados da participação do ex-procurador da República Marcello Miller nas negociações sobre o acordo de leniência depois de sua exoneração, quando este participou de reunião com esta finalidade no dia 11 de abril”, disse a nota.
Em outro documento, a Polícia Federal viu indícios da prática do crime de corrupção passiva cometido por Miller quando ainda estava na PGR. Segundo a PF, o então procurador, em razão do cargo público que ocupava, orientou os donos da J&F a obter melhores condições nos acordos de colaboração premiada.
Buscas. A informação consta do relatório em que a PF pediu autorização da Justiça para cumprir mandados de busca e apreensão na casa não só de Miller, mas também dos irmãos Wesley e Joesley Batista e dos advogados Fernanda Tórtima e Francisco de Assis. O juiz federal João Batista Gonçalves, no entanto, só autorizou as buscas nas residências dos Batista e determinou a prisão deles.
“Há indicativos do cometimento do crime de corrupção passiva pelo ex-procurador, consistente no recebimento de vantagem ilícita ou promessa de vantagem, para que, em razão do seu cargo, orientar o grupo de delatores da JBS S/A a obter nas melhores condições possíveis a formalização da colaboração premiada, bem como conduzir o procedimento de leniência americano em face dessa empresa”, disse o relatório.
Em nota, Miller reiterou que “jamais fez jogo duplo e que não tinha contato com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem se aproveitou de informações sigilosas de que teve conhecimento enquanto procurador”. Miller afirmou ainda que pediu exoneração em 23 de fevereiro, “tendo essa informação circulado imediatamente no MPF”.
A prisão preventiva de Wesley Batista, presidente da JBS, é a primeira realizada no Brasil pelo crime de insider trading – o uso de informação privilegiada para obter lucros no mercado financeiro. Segundo a Polícia Federal, a venda de ações da JBS antes do vazamento da delação dos controladores evitou um prejuízo potencial de R$ 138 milhões aos irmãos Batista.
Wesley foi preso, ontem, em sua casa, na capital paulista, após decisão do juiz João Batista Gonçalves, da 6.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, no âmbito da Operação Acerto de Contas, nova fase da Tendão de Aquiles, que investiga uso indevido de informações privilegiadas em transações ocorridas entre abril e 17 maio de 2017, data de divulgação de informações relacionadas a acordo de colaboração premiada com a Procuradoria-Geral da República.
A ordem de prisão preventiva, que não tem prazo determinado, foi estendida a Joesley Batista, que já está preso temporariamente por ordem do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), por suspeita de violação de sua delação.
Ao decretar a prisão preventiva dos irmãos Batista, o juiz alertou para o “risco concreto de fuga”. O fundamento central do decreto é a “garantia da ordem econômica e da ordem pública”. No pedido de prisão dos acionistas da JBS, a Polícia Federal ressalta que eles, mesmo após a negociação e assinatura do acordo de delação, continuaram a “praticar delitos” no mercado financeiro.
Em nota, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, que faz a defesa de Wesley, disse que “não há um elemento que sustente essa prisão, que além de ilegal e arbitrária, coloca em descrédito o instituto da colaboração”.
A investigação da PF identificou dois crimes distintos, mas interligados: a compra e venda de ações e a compra e venda de contratos futuros de dólar. Ambos ocorreram antes dos áudios da conversa de Joesley Batista com o presidente Michel Temer se tornarem públicos.
Segundo o delegado da PF Victor Hugo Rodrigues, os crimes foram comprovados por mensagens eletrônicas, depoimentos, relatórios da Comissão de Valores Mobiliários (CVM) e laudo pericial.
Os irmãos Batista detêm 100% da empresa FB Participações, que por sua vez tem 42,5% da JBS. Às vésperas do vazamento da delação, Joesley determinou a venda pela FB de 42 milhões de ações da JBS a R$ 372 milhões. Ao mesmo tempo, a própria JBS, presidida por Wesley, passou a recomprar esses papéis, diluindo as perdas com a desvalorização das ações no momento em que a delação fosse divulgada. “A maior parte do prejuízo com a queda das ações não ficou com os Batistas, mas com os outros acionistas.”
Além disso, um dia antes da delação da JBS vazar, a empresa foi a segunda maior compradora de dólar no Brasil, segundo o delegado da Polícia Federal, Rodrigo Costa, que explicou como a empresa manipulou o mercado de câmbio. “Foi uma movimentação absolutamente atípica”, disse.
Um dia antes da delação vir a público, em 17 de maio, a JBS negociou US$ 474 milhões com a moeda a R$ 3,11. Segundo nota do Ministério Público Federal, somente as operações em dólar somaram R$ 3 bilhões, rendendo lucro de US$ 100 milhões aos empresários. Essa é a mesma quantia da multa prevista na delação no processo criminal, de US$ 110 milhões.
“Tudo indica, e o inquérito confirmou, que estamos diante de pessoas que têm a personalidade voltada para a prática reiterada de crimes. Pessoas que já foram objeto de seis operações da PF simultâneas, não pararam de delinquir e certamente não vão parar de delinquir com a sétima operação”, disse o delegado Victor Hugo Rodrigues. /
DNA para crime
“Tudo indica, e o inquérito confirmou, que estamos diante de pessoas que têm a personalidade voltada para a prática reiterada de crimes.”
Victor Hugo Rodrigues DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL