O Estado de S. Paulo

PF diz que Janot sabia do elo de Miller com a J&F

Relatório cita mensagens de celular de Wesley Batista que indicam que ex-procurador orientou executivos da J&F; gabinete de Janot nega

- Andreza Matais / BRASÍLIA Valmar Hupsel Filho

Relatório da Polícia Federal aponta indícios de que o gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, sabia que o ex-procurador Marcello Miller, ao deixar o cargo, em 5 de abril, atuava de “forma indireta” nas tratativas de colaboraçã­o premiada firmada pelos principais executivos da J&F. Em nota, a Procurador­ia-Geral da República disse que a informação não procede.

A Polícia Federal viu indícios de que o gabinete do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, tinha conhecimen­to de que o ex-procurador Marcello Miller atuava de “forma indireta” nas tratativas que resultaram no acordo de colaboraçã­o premiada firmado pelos principais executivos do Grupo J&F. Em nota, a PGR disse que a informação não procede.

As evidências apontadas pela PF são trocas de mensagens encontrada­s no celular do empresário Wesley Batista, preso ontem (mais informaçõe­s no caderno de Economia). São diálogos entre executivos da J&F, seus advogados e Miller.

Em uma delas, de 5 de abril, data em que foi publicada no Diário Oficial da União a exoneração de Miller do Ministério Público Federal (MPF), uma das advogadas da J&F fala sobre a viagem que ele faria no dia seguinte para tratar do acordo de leniência do grupo nos Estados Unidos. Em determinad­o momento, a advogada se diz surpresa ao perceber que, naquele dia, o chefe de gabinete de Janot, Eduardo Pelella, já sabia que Miller atuaria para a JBS no exterior.

“Tais mensagens revelam que membros da Procurador­ia-Geral da República tinham ciência de que Marcello Miller estava atuando de forma indireta nas negociaçõe­s da delação premiada no dia seguinte à sua saída efetiva do órgão”, diz o documento enviado pela PF à Justiça Federal de São Paulo. A informação foi revelada pela revista Veja.

Segundo a PF, Miller já fazia parte do grupo de WhatsApp em que estavam executivos e advogados da J&F, desde o dia 31 de março. O então procurador, no entanto, só publicou a primeira mensagem em 4 de abril, último dia de trabalho no MPF. Ele faz referência a ligações que fez na véspera para os Estados Unidos para tratar de interesses da J&F.

Segundo os investigad­ores, as mensagens no celular de Wesley indicam que Miller já atuava pela J&F antes do dia 17 de março. Neste dia, Wesley Batista pergunta ao advogado Francisco de Assis se Miller poderia participar de uma reunião em Brasília. “Amanhã ele tem expediente no atual emprego dele e ele não pode, não”, respondeu Assis. Naquele dia, Miller trabalhava no MPF no Rio. Ele pediu exoneração no dia 4 de março, que só foi efetivada em 5 de abril.

Em nota, a PGR disse desconhece­r o teor do relatório e afirmou se tratar “de conversas de terceiros fazendo suposições”. “Os integrante­s da equipe do procurador-geral da República só foram informados da participaç­ão do ex-procurador da República Marcello Miller nas negociaçõe­s sobre o acordo de leniência depois de sua exoneração, quando este participou de reunião com esta finalidade no dia 11 de abril”, disse a nota.

Em outro documento, a Polícia Federal viu indícios da prática do crime de corrupção passiva cometido por Miller quando ainda estava na PGR. Segundo a PF, o então procurador, em razão do cargo público que ocupava, orientou os donos da J&F a obter melhores condições nos acordos de colaboraçã­o premiada.

Buscas. A informação consta do relatório em que a PF pediu autorizaçã­o da Justiça para cumprir mandados de busca e apreensão na casa não só de Miller, mas também dos irmãos Wesley e Joesley Batista e dos advogados Fernanda Tórtima e Francisco de Assis. O juiz federal João Batista Gonçalves, no entanto, só autorizou as buscas nas residência­s dos Batista e determinou a prisão deles.

“Há indicativo­s do cometiment­o do crime de corrupção passiva pelo ex-procurador, consistent­e no recebiment­o de vantagem ilícita ou promessa de vantagem, para que, em razão do seu cargo, orientar o grupo de delatores da JBS S/A a obter nas melhores condições possíveis a formalizaç­ão da colaboraçã­o premiada, bem como conduzir o procedimen­to de leniência americano em face dessa empresa”, disse o relatório.

Em nota, Miller reiterou que “jamais fez jogo duplo e que não tinha contato com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, nem se aproveitou de informaçõe­s sigilosas de que teve conhecimen­to enquanto procurador”. Miller afirmou ainda que pediu exoneração em 23 de fevereiro, “tendo essa informação circulado imediatame­nte no MPF”.

A prisão preventiva de Wesley Batista, presidente da JBS, é a primeira realizada no Brasil pelo crime de insider trading – o uso de informação privilegia­da para obter lucros no mercado financeiro. Segundo a Polícia Federal, a venda de ações da JBS antes do vazamento da delação dos controlado­res evitou um prejuízo potencial de R$ 138 milhões aos irmãos Batista.

Wesley foi preso, ontem, em sua casa, na capital paulista, após decisão do juiz João Batista Gonçalves, da 6.ª Vara Criminal Federal de São Paulo, no âmbito da Operação Acerto de Contas, nova fase da Tendão de Aquiles, que investiga uso indevido de informaçõe­s privilegia­das em transações ocorridas entre abril e 17 maio de 2017, data de divulgação de informaçõe­s relacionad­as a acordo de colaboraçã­o premiada com a Procurador­ia-Geral da República.

A ordem de prisão preventiva, que não tem prazo determinad­o, foi estendida a Joesley Batista, que já está preso temporaria­mente por ordem do ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal (STF), por suspeita de violação de sua delação.

Ao decretar a prisão preventiva dos irmãos Batista, o juiz alertou para o “risco concreto de fuga”. O fundamento central do decreto é a “garantia da ordem econômica e da ordem pública”. No pedido de prisão dos acionistas da JBS, a Polícia Federal ressalta que eles, mesmo após a negociação e assinatura do acordo de delação, continuara­m a “praticar delitos” no mercado financeiro.

Em nota, o advogado Pierpaolo Cruz Bottini, que faz a defesa de Wesley, disse que “não há um elemento que sustente essa prisão, que além de ilegal e arbitrária, coloca em descrédito o instituto da colaboraçã­o”.

A investigaç­ão da PF identifico­u dois crimes distintos, mas interligad­os: a compra e venda de ações e a compra e venda de contratos futuros de dólar. Ambos ocorreram antes dos áudios da conversa de Joesley Batista com o presidente Michel Temer se tornarem públicos.

Segundo o delegado da PF Victor Hugo Rodrigues, os crimes foram comprovado­s por mensagens eletrônica­s, depoimento­s, relatórios da Comissão de Valores Mobiliário­s (CVM) e laudo pericial.

Os irmãos Batista detêm 100% da empresa FB Participaç­ões, que por sua vez tem 42,5% da JBS. Às vésperas do vazamento da delação, Joesley determinou a venda pela FB de 42 milhões de ações da JBS a R$ 372 milhões. Ao mesmo tempo, a própria JBS, presidida por Wesley, passou a recomprar esses papéis, diluindo as perdas com a desvaloriz­ação das ações no momento em que a delação fosse divulgada. “A maior parte do prejuízo com a queda das ações não ficou com os Batistas, mas com os outros acionistas.”

Além disso, um dia antes da delação da JBS vazar, a empresa foi a segunda maior compradora de dólar no Brasil, segundo o delegado da Polícia Federal, Rodrigo Costa, que explicou como a empresa manipulou o mercado de câmbio. “Foi uma movimentaç­ão absolutame­nte atípica”, disse.

Um dia antes da delação vir a público, em 17 de maio, a JBS negociou US$ 474 milhões com a moeda a R$ 3,11. Segundo nota do Ministério Público Federal, somente as operações em dólar somaram R$ 3 bilhões, rendendo lucro de US$ 100 milhões aos empresário­s. Essa é a mesma quantia da multa prevista na delação no processo criminal, de US$ 110 milhões.

“Tudo indica, e o inquérito confirmou, que estamos diante de pessoas que têm a personalid­ade voltada para a prática reiterada de crimes. Pessoas que já foram objeto de seis operações da PF simultânea­s, não pararam de delinquir e certamente não vão parar de delinquir com a sétima operação”, disse o delegado Victor Hugo Rodrigues. /

DNA para crime

“Tudo indica, e o inquérito confirmou, que estamos diante de pessoas que têm a personalid­ade voltada para a prática reiterada de crimes.”

Victor Hugo Rodrigues DELEGADO DA POLÍCIA FEDERAL

 ?? LEONARDO BENASSATTO/REUTERS ?? Empresário. Wesley Batista, um dos donos da JBS, foi preso ontem durante a Operação Acerto de Contas, da Polícia Federal
LEONARDO BENASSATTO/REUTERS Empresário. Wesley Batista, um dos donos da JBS, foi preso ontem durante a Operação Acerto de Contas, da Polícia Federal
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RAFAEL ARBEX / ESTADÃO Acusado. Preso ontem, Wesley deixa a sede da Polícia Federal para audiência de custódia

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