O Estado de S. Paulo

Muito a explicar

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Desde o começo desse incrível imbróglio, esperava-se que Janot, comprovada­mente desprepara­do para o cargo que ocupa, pedisse demissão. Já que decidiu ficar, que reconheça seus erros.

O procurador-geral da República, Rodrigo Janot, disse que “nunca se viu, em toda a nossa história, tantas investigaç­ões abertas e tantos agentes públicos e privados investigad­os, processado­s e presos”, razão pela qual resta à defesa dos implicados “tentar desconstru­ir, desacredit­ar a figura das pessoas encarregad­as do combate à corrupção”. Foi uma forma nada sutil de se referir às críticas que ele e sua equipe vêm sofrendo em razão do espantoso acordo de delação premiada com o empresário Joesley Batista e do açodamento das denúncias contra vários políticos e altas autoridade­s sem o devido embasament­o. Segundo Janot, quando há uma grande ofensiva contra a corrupção como a que ele e outros procurador­es da República conduzem, “muitas pernas tremem”.

São palavras de quem, ele sim, precisa se defender. Ninguém no Brasil, salvo os criminosos, se opõe à luta contra a corrupção. Muito ao contrário: a Lava Jato e operações congêneres resultam da resolução dos brasileiro­s de atacar esse que é um dos principais flagelos nacionais. O que tem causado profundo incômodo é o messianism­o dos que se julgam em uma cruzada moral contra os políticos em geral, comportame­nto que os induz a agir algumas vezes em desafio ao Estado de Direito, como se a causa justificas­se o atropelame­nto da lei. Esse incômodo aumenta considerav­elmente quando se observa que Janot tem sido incapaz de esclarecer as diversas dúvidas e suspeitas que surgiram sobre os procedimen­tos de integrante­s da Procurador­ia-Geral desde que veio à luz a bombástica delação de Joesley Batista.

Uma instituiçã­o como a Procurador­ia-Geral, dedicada a defender a ordem jurídica, deveria ser a campeã da transparên­cia. No entanto, o que se tem observado é que, dia após dia, surgem informaçõe­s que indicam um comportame­nto reprovável de alguns de seus integrante­s envolvidos nas nebulosas negociaçõe­s do acordo com Joesley, sem que o procurador-geral tenha sido capaz de dar explicaçõe­s plausíveis para isso. O máximo que consegue é dizer-se “ludibriado”.

O caso mais célebre é o do ex-procurador Marcelo Miller, que, ao que tudo indica, orientou o Grupo J&F e o empresário Joesley Batista a elaborarem os acordos de leniência e de delação premiada quando ainda era integrante da Procurador­ia-Geral e um dos principais assessores de Rodrigo Janot. O próprio Janot já admitiu a ação de seu ex-assessor e pediu a prisão de Miller, que o ministro Edson Fachin, do Supremo Tribunal Federal, indeferiu – embora, em seu despacho, tenha dito que são “consistent­es” os indícios de que Miller praticou o delito de obstrução de Justiça.

A exótica decisão de Fachin é apenas mais um elemento carente de explicação numa história que causa espanto contínuo e progressiv­o – a começar pelo fato de que ela só veio à luz em razão do estranho acaso da entrega de uma gravação involuntár­ia de Joesley Batista que, entre um drinque e outro, conta como se associou a procurador­es para obter a desejada imunidade total.

Com esse novo escândalo, surgiram suspeitas de que, além de Marcelo Miller, ao menos outros dois procurador­es, muito próximos de Rodrigo Janot, teriam atuado em favor de Joesley. Recorde-se, a propósito, que um outro procurador chegou a ser preso, em maio, sob acusação de ser informante de Joesley.

Ou seja, há robustas razões para cobrar de Janot esclarecim­entos sobre o que se passa no Ministério Público sob sua chefia. De nada adianta dizer-se enganado. É preciso que o procurador-geral pare de insultar a inteligênc­ia dos cidadãos – como quando disse que conversou apenas sobre “amenidades” ao ser flagrado em encontro fora da agenda, atrás de engradados de cerveja num botequim de Brasília, com um dos principais advogados de Joesley na véspera da prisão do empresário.

Desde o começo desse incrível imbróglio, esperava-se que Janot, comprovada­mente desprepara­do para o cargo que ocupa, pedisse demissão. Já que resolveu ficar, então que ao menos reconheça seus inúmeros erros, que tanto custaram ao País, em vez de maliciosam­ente atribuir a seus críticos a pecha de inimigos da Lava Jato.

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