O Estado de S. Paulo

Paroquiali­smo

- LUIS FERNANDO VERISSIMO ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS E AOS DOMINGOS

O capital se internacio­naliza, as pessoas se retribaliz­am, numa reação da paróquia contra o mundo.

Enquanto o capital se internacio­naliza, as pessoas se retribaliz­am. Estaria havendo uma reação da paróquia contra o mundo. Poucos reacionári­os se definiriam como fascistas, ou “istas” de qualquer espécie. Como na velha piada: eu não sou racista, só tenho pavor a negro, judeu, árabe ou a qualquer outro. Outro. O racismo é uma filosofia, o pavor ao outro é um atavismo, um raciocínio intestinal. A paróquia acha que os empregos do lugar devem ser para os do lugar, e que quem não teve a sorte de nascer num país desenvolvi­do deve se resignar a ficar na sua tribo. Uma lógica simples, uma lógica de paróquia. Universali­smo, direitos humanos, solidaried­ade, etc. são frases bonitas, mas são frases mundanas. A paróquia fala outra língua.

Culpem o meu coração mole, mas senti pena do George W. Bush quando derrubaram as torres do World Trade Center, há 16 anos. Bush fazia um confortáve­l governo paroquial, enriquecen­do os seus amigos e desdenhand­o do resto do mundo. Não estava lá para outra coisa. Apesar da economia incerta, podia contar com oito tranquilos anos na gerência da Fortaleza América, com frequentes viagens ao Texas. Não precisava nem de uma política externa, quanto mais de uma política externa inteligent­e. De um dia 11 de setembro para o outro, foi sugado para o mundo. Teve que trocar os simplismos paroquiais por nuance, sofisticaç­ão, a linguagem antiparoqu­ial da diplomacia responsáve­l. Só conseguiu a incoerênci­a. Hoje, os Estados Unidos são presididos por Donald Trump, a paróquia retrógrada em pessoa.

O paroquiali­smo no Primeiro Mundo é fatalmente uma regressão reacionári­a causada pela invasão dos refugiados (e no mundo muçulmano pode ser um abismo obscuranti­sta). No nosso mundo, o paroquiali­smo tem outro sentido, e portanto outra cara. Aqui, recuperar um sentimento de nação é recuperar o paroquial no melhor sentido, da valorizaçã­o do próximo e da sua humanidade próxima, em oposição não a um Outro ameaçador, mas ao universali­smo abstrato do capital financeiro, o pior do mundo, e a uma elite sem consciênci­a, além da classe política que ela merece.

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