‘A investigação dirá o valor da fraude’
Líder da apuração sobre corrupção na escolha do Rio para sediar os Jogos de 2016 diz que poderá haver ‘surpresas’
Embora já tenha atingido altas personalidades do mundo político e esportivo no Brasil, a investigação sobre a existência de possível esquema de compra de votos em favor da candidatura do Rio a sede da Olimpíada de 2016 ainda pode avançar muito e trazer surpresas.
A garantia é de Jean-Yves Lourgouilloux, procurador do Ministério Público Financeiro de Paris que está na origem da investigação sobre as suspeitas de corrupção no processo seletivo do Comitê Olímpico Internacional (COI), realizada em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF) do Rio. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida ao Estado.
• Quais foram os maiores avanços da investigação no Brasil? Antes de mais nada, as operações de busca que permitiram fazer apreensões. Ainda é cedo para saber se foram positivas, é preciso analisar os documentos. As autoridades brasileiras tomaram um certo número de depoimentos, sobre os quais eu, claro, não posso fornecer o conteúdo. Mas eles permitiram obter as explicações de alguns dos protagonistas.
• Estamos focalizados em algumas poucas personalidades: o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, o empresário Arthur Soares... Esse é um esquema tão pequeno assim?
Nesse momento é preciso falar de suspeita de corrupção, porque é só no final da investigação que poderemos falar de corrupção ou não. Além disso, a investigação ainda não terminou. Por ora ela se focaliza sobre os vínculos já estabelecidos entre uns e outros, e nada impede que as investigações futuras venham a ampliar o círculo ou, ao contrário, confirmar que eram apenas algumas pessoas que estavam em contato.
• O senhor tem uma ideia de quem seria a pessoa na origem desse suposto esquema? Quem seria o comandante?
É um pouco cedo para afirmar. O que parece é que Sérgio Cabral parece ser alguém central no esquema, porque é ele quem conhece mais pessoas suscetíveis de estar implicadas. Isso não quer dizer que ele seja o comandante. Se houve iniciativas nesse sentido, será preciso saber se partiram de uma pessoa, de várias, se houve um acordo com o comitê de candidatura ou se foi uma iniciativa pessoal, por exemplo. Além disso, qual foi o contexto. Identificamos movimentos financeiros que nos parecem suspeitos e queremos ter as explicações credíveis e racionais. Até aqui foi difícil tê-las.
• O senhor crê que o caso pode ter parado em US$ 2 milhões (valor que teria sido repassado ao ex-membro do COI Lamine Diack em troca de votos)?
Se observarmos o caso da Fifa, vemos que os casos envolviam valores menores, da ordem de US$ 200 mil, US$ 500 mil. Mas não sabemos se houve 10 vezes US$ 2 milhões ou 100 vezes US$ 2 milhões. Até aqui só tivemos acesso a uma pequena parte da documentação bancária disponível. Ainda estamos longe de concluir sobre o valor. A investigação o dirá.
• O ex-prefeito Eduardo Paes faz parte da investigação?
Na verdade não há uma lista de pessoas que fazem parte da investigação. Nos interessamos por todos que, a partir de um dado momento, puderam ter um vínculo. No final veremos se as pessoas estavam implicadas, parcialmente implicadas ou sem implicação. O que é certo é que Paes fazia parte do grupo que tinha interesse de fazer a candidatura do Brasil ganhar. Mas nesse momento não temos elementos que permitam estabelecer a implicação de Eduardo Paes.
• A investigação encontrou até aqui algum traço que comprometa o governo federal de então (o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva)?
A cada candidatura de cada país, vemos que o chefe de Estado, qualquer que seja, envolve-se pessoalmente. Em 2009 esse foi o caso do presidente do Brasil, mas também de Barack Obama e de outros. É quase indispensável que o chefe de Estado apoie uma candidatura, caso contrário será difícil ela ser vencedora. Mas não é porque você apoia a candidatura que está envolvido com ela. Lula era um fervoroso apoiador da candidatura, mas nesse momento nada permite concluir que tenha tomado parte do esquema de corrupção.
• O senhor evocou o mercado de licitações. Vocês investigam outras empresas, além da de Arthur Soares?
Essa é de fato a hipótese que vem sendo desenvolvida pelo Ministério Público Federal do Rio. Na nossa investigação, nós, França, não vamos nos interessar pela organização do mercado de licitações públicas no Brasil quando dos Jogos Olímpicos. Esse assunto será tratado pelo MP brasileiro.
• O senhor pode descrever qual seria o papel de Carlos Arthur Nuzman no suposto esquema? Eu não sou o melhor para responder a essa questão, porque ela faz mais parte da investigação brasileira. Mas a hipótese de trabalho considera que a decisão que teria sido tomada de realizar pagamentos ilícitos para obter votos em favor do Rio era uma decisão colegial. E, sendo o presidente do Comitê de Candidatura, é natural questionarmos se Nuzman participou diretamente, se teve conhecimento, e qual foi seu grau de participação. Seria surpreendente se ele não soubesse de nada. Mas não podemos afastar essa hipótese. A investigação o dirá.