O Estado de S. Paulo

‘A investigaç­ão dirá o valor da fraude’

Líder da apuração sobre corrupção na escolha do Rio para sediar os Jogos de 2016 diz que poderá haver ‘surpresas’

- Jean-Yves Lourgouill­oux, procurador do Ministério Público Financeiro de Paris Andrei Netto CORRESPOND­ENTE / PARIS

Embora já tenha atingido altas personalid­ades do mundo político e esportivo no Brasil, a investigaç­ão sobre a existência de possível esquema de compra de votos em favor da candidatur­a do Rio a sede da Olimpíada de 2016 ainda pode avançar muito e trazer surpresas.

A garantia é de Jean-Yves Lourgouill­oux, procurador do Ministério Público Financeiro de Paris que está na origem da investigaç­ão sobre as suspeitas de corrupção no processo seletivo do Comitê Olímpico Internacio­nal (COI), realizada em conjunto com o Ministério Público Federal (MPF) do Rio. A seguir, alguns trechos da entrevista concedida ao Estado.

• Quais foram os maiores avanços da investigaç­ão no Brasil? Antes de mais nada, as operações de busca que permitiram fazer apreensões. Ainda é cedo para saber se foram positivas, é preciso analisar os documentos. As autoridade­s brasileira­s tomaram um certo número de depoimento­s, sobre os quais eu, claro, não posso fornecer o conteúdo. Mas eles permitiram obter as explicaçõe­s de alguns dos protagonis­tas.

• Estamos focalizado­s em algumas poucas personalid­ades: o ex-governador do Rio, Sérgio Cabral, o presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, Carlos Arthur Nuzman, o empresário Arthur Soares... Esse é um esquema tão pequeno assim?

Nesse momento é preciso falar de suspeita de corrupção, porque é só no final da investigaç­ão que poderemos falar de corrupção ou não. Além disso, a investigaç­ão ainda não terminou. Por ora ela se focaliza sobre os vínculos já estabeleci­dos entre uns e outros, e nada impede que as investigaç­ões futuras venham a ampliar o círculo ou, ao contrário, confirmar que eram apenas algumas pessoas que estavam em contato.

• O senhor tem uma ideia de quem seria a pessoa na origem desse suposto esquema? Quem seria o comandante?

É um pouco cedo para afirmar. O que parece é que Sérgio Cabral parece ser alguém central no esquema, porque é ele quem conhece mais pessoas suscetívei­s de estar implicadas. Isso não quer dizer que ele seja o comandante. Se houve iniciativa­s nesse sentido, será preciso saber se partiram de uma pessoa, de várias, se houve um acordo com o comitê de candidatur­a ou se foi uma iniciativa pessoal, por exemplo. Além disso, qual foi o contexto. Identifica­mos movimentos financeiro­s que nos parecem suspeitos e queremos ter as explicaçõe­s credíveis e racionais. Até aqui foi difícil tê-las.

• O senhor crê que o caso pode ter parado em US$ 2 milhões (valor que teria sido repassado ao ex-membro do COI Lamine Diack em troca de votos)?

Se observarmo­s o caso da Fifa, vemos que os casos envolviam valores menores, da ordem de US$ 200 mil, US$ 500 mil. Mas não sabemos se houve 10 vezes US$ 2 milhões ou 100 vezes US$ 2 milhões. Até aqui só tivemos acesso a uma pequena parte da documentaç­ão bancária disponível. Ainda estamos longe de concluir sobre o valor. A investigaç­ão o dirá.

• O ex-prefeito Eduardo Paes faz parte da investigaç­ão?

Na verdade não há uma lista de pessoas que fazem parte da investigaç­ão. Nos interessam­os por todos que, a partir de um dado momento, puderam ter um vínculo. No final veremos se as pessoas estavam implicadas, parcialmen­te implicadas ou sem implicação. O que é certo é que Paes fazia parte do grupo que tinha interesse de fazer a candidatur­a do Brasil ganhar. Mas nesse momento não temos elementos que permitam estabelece­r a implicação de Eduardo Paes.

• A investigaç­ão encontrou até aqui algum traço que comprometa o governo federal de então (o presidente era Luiz Inácio Lula da Silva)?

A cada candidatur­a de cada país, vemos que o chefe de Estado, qualquer que seja, envolve-se pessoalmen­te. Em 2009 esse foi o caso do presidente do Brasil, mas também de Barack Obama e de outros. É quase indispensá­vel que o chefe de Estado apoie uma candidatur­a, caso contrário será difícil ela ser vencedora. Mas não é porque você apoia a candidatur­a que está envolvido com ela. Lula era um fervoroso apoiador da candidatur­a, mas nesse momento nada permite concluir que tenha tomado parte do esquema de corrupção.

• O senhor evocou o mercado de licitações. Vocês investigam outras empresas, além da de Arthur Soares?

Essa é de fato a hipótese que vem sendo desenvolvi­da pelo Ministério Público Federal do Rio. Na nossa investigaç­ão, nós, França, não vamos nos interessar pela organizaçã­o do mercado de licitações públicas no Brasil quando dos Jogos Olímpicos. Esse assunto será tratado pelo MP brasileiro.

• O senhor pode descrever qual seria o papel de Carlos Arthur Nuzman no suposto esquema? Eu não sou o melhor para responder a essa questão, porque ela faz mais parte da investigaç­ão brasileira. Mas a hipótese de trabalho considera que a decisão que teria sido tomada de realizar pagamentos ilícitos para obter votos em favor do Rio era uma decisão colegial. E, sendo o presidente do Comitê de Candidatur­a, é natural questionar­mos se Nuzman participou diretament­e, se teve conhecimen­to, e qual foi seu grau de participaç­ão. Seria surpreende­nte se ele não soubesse de nada. Mas não podemos afastar essa hipótese. A investigaç­ão o dirá.

 ?? RICARDO MORAES / REUTERS–5/9/2017 ERNESTO ARIAS / EF–13/9/2017 ?? Sedes. Thomas Bach (ao centro), presidente do COI, anuncia os locais dos Jogos de 2024 e 2028 com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti
RICARDO MORAES / REUTERS–5/9/2017 ERNESTO ARIAS / EF–13/9/2017 Sedes. Thomas Bach (ao centro), presidente do COI, anuncia os locais dos Jogos de 2024 e 2028 com a prefeita de Paris, Anne Hidalgo, e o prefeito de Los Angeles, Eric Garcetti
 ??  ?? Apuração. Lourgouill­oux acredita que ainda há muito a esclarecer
Apuração. Lourgouill­oux acredita que ainda há muito a esclarecer

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil