O Estado de S. Paulo

Dinheiro na mão é vendaval

- ZEINA LATIF E-MAIL: ZEINA.LATIF@TERRA.COM.BR ZEINA LATIF ESCREVE ÀS QUINTAS-FEIRAS

Acabar o dinheiro nunca é algo bom. Mas há um lado positivo. Direciona a agenda econômica para a busca de melhor alocação e maior eficiência do gasto público. Gastamos muito mal, tanto do ponto de vista da eficiência econômica, como de justiça social.

Nos anos de bonança, optamos pelo caminho fácil de aumentar os gastos públicos, dentro e fora do Orçamento, sem cuidar da qualidade do gasto e de questões estruturai­s. Deu errado. A taxa de investimen­to pouco subiu e colheu-se o descontent­amento da sociedade.

Exemplo disso foi o investimen­to em infraestru­tura. Bancos públicos e fundos de pensão das estatais entraram pesado no financiame­nto à infraestru­tura, com o peso também importante das empresas estatais.

Segundo Cláudio Frischtak, a taxa de investimen­to no setor subiu pouco: atingiu 2,3% do PIB em 2013, o que não compensa a depreciaçã­o do capital, que consome algo como 3% do PIB. Muitos investimen­tos foram equivocado­s, como: indústria naval, Sete Brasil, estádios, Comperj e concessões fracassada­s. Muitos recursos para pouco retorno, sendo que o Brasil piorou a posição nos rankings de infraestru­tura.

Caiu-se no erro de acreditar que ter dinheiro é a solução, deixando de lado a definição de prioridade­s, a qualidade dos projetos e os riscos não gerenciáve­is – risco político, inseguranç­a jurídica, mudanças de regras e leis, licenças ambientais e inseguranç­a em casos de falência e default – que encarecem os projetos, quando não o inviabiliz­am. Subsídios governamen­tais não devem e não compensam tantos riscos.

De quebra, com a confusão na política econômica e a consequent­e recessão, compromete­u-se a rentabilid­ade dos projetos. Os riscos gerenciáve­is – risco de projeto e de mercado – ficaram intratávei­s, em alguns casos.

Enquanto isso, alguns países pares fazem melhor e vêm atraindo investimen­tos privados.

O Peru entrou no radar dos investidor­es como um dos mais inovadores na América Latina no desenvolvi­mento da infraestru­tura. Destacam-se a desburocra­tização e os mecanismos que incentivam a qualidade dos projetos e a participaç­ão privada, pela distribuiç­ão adequada de riscos e retornos e pelo fluxo de recursos (de projetos concluídos para outros novos).

A Índia se tornou destaque mundial com as PPPs (parceria público-privadas), com financiame­nto de bancos e seguradora­s, e recursos públicos por meio da India Infrastruc­ture Finance Company Limited. O fundo levanta recursos nos mercados interno e externo, com reforço de garantias governamen­tais. Fazem empréstimo­s diretos e refinancia­m instituiçõ­es financeira­s que investem em infraestru­tura.

A participaç­ão do setor privado é frequente nas experiênci­as de sucesso mundial. O setor privado contribui com expertise no desenho dos projetos e da estrutura financeira, bem como no acompanham­ento na fase de construção. O custo de financiame­nto mais alto pode ser compensado com a qualidade da entrega, por meio de incentivos corretos e controles adequados. O setor público pode entrar no planejamen­to e no financiame­nto na fase de elaboração e construção, na redução de riscos não gerenciáve­is e no reforço de garantias. O setor privado sozinho não funciona e o setor público sozinho funciona mal, sem contar a corrupção.

Na mesma linha, é necessário zelo com o investimen­to público no Orçamento. O corte de investimen­tos, que se tornou variável de ajuste para cumpriment­o das metas fiscais, tem sido alvo de críticas, pelo possível impacto no potencial de cresciment­o do País.

Com reformas estruturai­s ainda a serem aprovadas, a margem de manobra é pequena, no entanto. O ativismo estatal poderá ser contraprod­ucente se pressionar a dívida pública e a taxa de juros. Com reformas, será possível conquistar o privilégio de aumentar o investimen­to. Mas não basta gastar. É necessário planejamen­to, estabeleci­mento de prioridade­s e cuidado na execução. Sem isso, melhor não fazer.

Que a falta de dinheiro sirva de estímulo para fazermos melhor.

O setor privado sozinho não funciona e o setor público sozinho funciona mal

✱ ECONOMISTA-CHEFE DA XP INVESTIMEN­TOS

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