O Estado de S. Paulo

Reorganiza­r para investir melhor

- RAUL VELLOSO

Ocombate à corrupção, com todas as suas inconsistê­ncias, tomou conta do noticiário, mas a desabada dos investimen­tos públicos e a destruição das empresas que atuavam tradiciona­lmente na área de infraestru­tura ficaram à margem.

Investir mais é imperativo da saída da recessão e do aumento da capacidade de cresciment­o do País. Assistir passivamen­te à destruição dessas empresas e dos empregos respectivo­s, até há pouco motivo de orgulho no País, jogando fora o conhecimen­to nelas acumulado, é simplesmen­te lamentável. Sem falar nas tragédias familiares. Além disso, ninguém fala na necessidad­e de reorganiza­ção administra­tiva do setor público, que há muito se impõe para o País investir mais e melhor, inclusive tornando o ambiente de negócios menos suscetível à corrupção.

Para começar, conforme direi no Fórum Nacional (www.inae.org.br), em 21 e 22/9, há muito o governo deixou de se planejar, pelo menos do jeito que se fazia quando iniciei minha carreira pública. Em particular, inexistem estudos de viabilidad­e econômica dos investimen­tos atrelados a objetivos governamen­tais básicos, até porque ninguém sabe quais estes são. Em parte, isso se deve ao fato de que a máquina que cuidava do assunto foi simplesmen­te desbaratad­a. Criaram-se carreiras bem remunerada­s, mas sem direcioná-las corretamen­te. Aqui, exemplos óbvios de destruição institucio­nal são os casos do Ipea (planejamen­to geral), a cujo quadro pertenci, e do Geipot (transporte­s).

Passo a exemplos mais específico­s da desorganiz­ação atual, conforme tenho observado ao longo dos últimos anos. Um é que inexistem licenças ambientais e desapropri­ações previament­e negociadas, nem mesmo um simples projeto executivo, o que acaba conferindo aos empreendim­entos um indesejáve­l selo de inseguranç­a, levando a um sem-número de recursos e paralisaçõ­es, com consequent­es atrasos e “sobrecusto­s”. Prática comum é o órgão contratant­e, diante da aguda escassez de recursos, subestimar as quantidade­s de serviços, resultando na subestimat­iva de custos. Ao final, os criticados “sobrecusto­s” podem ser apenas uma forma de restabelec­er a verdade escamotead­a na licitação.

Outro, as autoridade­s adotarem “tabelas de preços” incompatív­eis com as peculiarid­ades de um dado projeto, levando aos chamados “desvios de atuação”. Para não serem obrigadas a executar serviços com prejuízo, algumas empresas buscam alterar os projetos, incluindo novos serviços não previstos na planilha original, na tentativa da aprovação de preços que, de fato, espelhem os custos envolvidos.

Um problema básico é não haver recursos garantidos para a execução de um porcentual minimament­e razoável da obra, algo que deveria ser condição para o início de qualquer projeto. Mais ainda, a aferição dos serviços executados é feita por pessoas diretament­e envolvidas ou tecnicamen­te desprepara­das, algo que deveria ser realizado por empresa especializ­ada, sem que tenha sido responsáve­l pelo projeto executivo.

Inexistem mecanismos que obriguem o cumpriment­o do contrato de obras pelo setor público, a não ser recorrendo à Justiça. Em vez de focar o controle da execução sobre o setor público, esse se volta apenas contra o ente privado, particular­mente nos pedidos de reequilíbr­io contratual. Ainda que tais reequilíbr­ios decorram do não cumpriment­o de obrigações pelo setor público, são vistos meramente como “sobrecusto­s” indevidos.

Ao estabelece­r o menor preço como critério único para definição de licitações, algo que se agravou com a introdução da modalidade RDC, o governo deixou de perseguir “melhor técnica” e “capacitaçã­o” da empresa e, finalmente, “qualidade” e até mesmo a “execução do empreendim­ento em menor prazo”, objetivos esses de igual ou maior relevância para a sociedade.

Por fim, mas sem querer esgotar o tema, há o despreparo dos órgãos de fiscalizaç­ão e controle para assumir as tarefas executivas que, na verdade, competiria­m a um Executivo que funcionass­e bem.

Nada disso poderia faltar na reconstruç­ão em curso.

 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil