O Estado de S. Paulo

Gérmen do feminismo

‘As Duas Irenes’ dialoga com ‘Como Nossos Pais’, também premiado em Gramado

- Luiz Carlos Merten

Em fevereiro, As Duas Irenes integrou a mostra Generation do Festival de Berlim. Em agosto, venceu quatro prêmios no Festival de Gramado – melhor ator coadjuvant­e, para Marco Ricca; roteiro, para o próprio diretor Fábio Meira; e direção de arte. Houve um quarto Kikito, e foi o de melhor filme para a crítica. Meira é goiano. Sua família tem muitas mulheres e, aos 13 anos, ele descobriu um segredo familiar. Seu avô tinha duas filhas com o mesmo nome – umas delas fora do casamento. A tia de Meira nunca quis conhecer a meia-irmã. A história ficou gravada no seu inconscien­te e, aos 30 anos, ele começou a escrever o roteiro.

Foram sete anos para colocar a história das duas Irenes na tela. “E na minha cabeça essa história já começou pelo fim. Queria que terminasse desse jeito”, ele conta, mas pede. “Cuidado com o spoiler, porque em toda parte onde tenho mostrado o filme (Berlim, Gramado, o Cine BH) o impacto do desfecho é decisivo para a empatia do público.” Já que o fim é interdito, pode-se, de qualquer maneira, contar o começo. O filme inicia-se com uma das Irenes com uma pedra na mão – e que ela lança contra a casa da outra Irene. Gramado, neste ano, foi polarizado (o festival) pela discussão da representa­tividade. Mulheres (Como Nossos Pais), afrodescen­dentes (Cabelo Bom), trans (A Gis). As Duas Irenes, de certa forma, mostra o gérmen do feminismo de Como Nossos Pais.

As atrizes Isabela Torres e Priscila Bittencour­t deram entrevista esta semana no Facebook do Cultura Estadão. ‘Pri’ – como a chama Isabela – veio ao Brasil especialme­nte para o lançamento. O filme está sendo lançado em cerca de 30 salas de todo o Brasil no projeto Vitrine Petrobrás. “É importante destacar que os ingressos são mais baratos, R$ 12 e R$ 6. Para um filme que fala sobre adolescent­es e tenta dialogar com esse público, o ingresso econômico pode ajudar”, diz o diretor. Pri estuda atualmente na Califórnia. Pretende seguir carreira na interpreta­ção. E já se enturmou por lá. “É cheerleade­r”, conta Meira. Só mesmo o olho do diretor. Na vida, Isabela é tímida, ensimesmad­a. Priscila é mais solta, comunicati­va. Na tela, Meira inverteu os papéis. Pri faz a Irene mais calada. Durante boa parte do filme, o espectador pergunta-se sobre o que aquela garota está pensando. A mesma pergunta pode ser feita a propósito do pai interpreta­do por Marco Ricca.

Ele é taciturno, quase não fala. O filme é feito de muitos silêncios. “Desde o roteiro o filme se desenhou desse jeito para mim. O universo interior dessas pessoas é muito forte. A Irene da Priscila quase não fala, deixa muitas perguntas que lhe fazem no filme sem resposta, mas por dentro está fervendo. É um vulcão. Eu queria que o pai também tivesse essa contenção. O Ricca acrescento­u muito ao personagem.” Meira filmou em Pirenópoli­s, por coincidênc­ia na mesma casa do curta Dolores. “Precisava daquelas locações, a cachoeira e o cinema.” Cenas fundamenta­is passam-se na cachoeira, onde as Irenes observam os garotos, e no cinema, onde trocam carícias com eles. “Embora seja uma história muito íntima, depende muito do entorno. Por isso usei o formato Scope, para que o mundo entrasse na vida das Irenes.” Houve todo um trabalho da fotografia com a direção de arte, construind­o as casas das Irenes.

Não apenas – “O filme teve muita preparação corporal. Priscila tem formação de bailarina, está acostumada aos gestos largos. Então foi preciso todo um trabalho de contenção. Cortei o cabelo delas, mudei a cor. A Isabela me perguntava – ‘Por que você está fazendo isso? Porque simplesmen­te não inverte o papel da gente?’ No final, as duas perceberam o que eu estava querendo. E, depois, queria muito fazer o filme com a Inês Peixoto, do Grupo Galpão. A Isabela é muito parecida com ela, tinha de ser sua filha. Um dos meus prazeres nesse filme foi o elenco. O Ricca, as meninas, a Inês, a Teuda Bara, também do Galpão, a Susana Ribeiro. Houve uma interação muito bonita e esse elenco fantástico superou minha expectativ­a.”

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VITRINE FILMES Contenção. Priscila Bittencour­t e Marco Ricca: filha e pai partilham os longos silêncios

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