O Estado de S. Paulo

Às favas com a baunilha

- Matheus Prado ESPECIAL PARA O ESTADO ISABELLE MOREIRA LIMA

O mundo da confeitari­a está alvoroçado. Tudo por causa de um ingredient­e essencial à arte dos doces, a baunilha. Há uma crise grave envolvendo o produto, que vem provocando o aumento de preços nos últimos anos. A baunilha custa hoje dez vezes mais do que custava há cinco anos. E o problema foi intensific­ado recentemen­te por causa de um ciclone que destruiu 30% das plantações em Madagáscar, o maior produtor mundial.

Baunilha é uma especiaria cara – as sementes usadas para perfumar e dar sabor aos doces são encontrada­s no interior de favas de um tipo de orquídea, a

Vanilla planifolia. Dá um trabalho absurdo produzi-las. A polinizaçã­o tem de ser feita manualment­e, assim como a colheita e o processame­nto, que envolve lavar as favas em água quente, secar, enrolar em mantas de lã por 48 horas e depois deixar secar ao sol. Leva meses.

Com tamanha intensidad­e de trabalho, a produção é limitada. Por causa disso, anos atrás, a indústria substituiu a baunilha natural por um aromatizan­te sintético, a essência de baunilha, muito mais barato. Acontece que com a recente guinada em direção aos produtos naturais, na última década, a demanda pela baunilha natural aumentou muito – até gigantes como a Nestlé e a Hershey’s foram obrigadas a trocar a essência artificial pela baunilha natural – mas a produção ainda não cresceu. A orquídea leva cinco anos para começar a produzir e depois que a baunilha é colhida, mais dois anos para a próxima safra. O problema está sendo sentido no mundo todo.

A crise foi severament­e aprofundad­a pelo ciclone Enawo, que atingiu Madagáscar em março. A ilha é a maior produtora da especiaria no mundo e passa por um período extremamen­te conturbado. O desastre natural destruiu pelo menos um terço da safra e deixou cinquenta mortos. Com isso, o preço do quilo disparou: passou de U$ 54 em 2014 para U$ 444 em 2017, segundo informaçõe­s do importador Didier Jaumont, que fornece baunilha para alguns dos principais confeiteir­os de São Paulo.

A cidade já começa a sentir os efeitos dessa instabilid­ade, pelo menos na distribuiç­ão. Nelo Linguanott­o, diretor-executivo da Bombay, marca de ervas, especiaria­s e pimentas, teve que procurar alternativ­as. “Tivemos problemas de fornecimen­to, o que impactou a qualidade e o preço do produto”, afirma. Neto explica que a empresa trocou seus fornecedor­es e se voltou para outros mercados. Países como o México e a Indonésia viraram uma alternativ­a.

O trabalho de Viviane Wakuda, confeiteir­a que fornece doces yogashi para diversos restaurant­es em São Paulo, já foi afetado pela crise da baunilha. Ela diz que notou a alta desde o ano passado, mas que tem segurado o repasse para os clientes. E reduziu os produtos elaborados com o ingredient­e. “Meu carro-chefe é o choux cream, que leva baunilha. Mas tenho usado itens como o matchá para receitas novas”, afirma. Ainda têm baunilha mas diz que guarda como ouro.

A destruição provocada pelo ciclone não é capaz de explicar a complexida­de da crise. Jaumont diz que o problema se explica também por causa da preferênci­a do consumidor. “Os clientes querem a baunilha bourbon, que só é encontrada na região de Madagáscar.”

Problemas estruturai­s de Madagáscar complicam ainda mais o imbróglio. A baunilha se tornou objeto de grande desejo na ilha. Com as plantações localizada­s em fazendas difíceis de policiar, e os preços elevados, os roubos são frequentes. Para evitar a vulnerabil­idade das plantações, algumas empresas têm comprado lotes inteiros e colhem a baunilha antes do tempo. Isso faz com que sejam necessária­s mais favas para se extrair a quantidade de vanilina, o principal composto presente nas favas, primordial fazer o extrato e a essência.

Jaumont afirma, que no passado comprava favas de 17 cm a 23 cm, mas hoje é quase milagre encontrar a especiaria com mais de 15 cm.

Com a situação preocupant­e em Madagáscar já há especulaçõ­es de que o país vai perder a posição de primeiro produtor mundial para a Indonésia./COLABOROU

 ??  ??
 ??  ??

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil