Inepta e inconstitucional
ACâmara dos Deputados deu mais um passo para que o País se veja livre o mais rápido possível das idiossincrasias do anterior procurador-geral da República, Rodrigo Janot.
A Câmara dos Deputados deu mais um passo para que o País se veja livre o mais rápido possível das idiossincrasias do anterior procurador-geral da República, Rodrigo Janot. Na terça-feira passada, o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou, na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Câmara, parecer recomendando que o plenário da Casa não autorize a abertura de processo contra o presidente da República, Michel Temer, e os ministros Eliseu Padilha e Moreira Franco pelos crimes de organização criminosa e obstrução da Justiça. “A denúncia não preenche os requisitos constitucionais e legais”, disse o relator.
Ao analisar a peça acusatória, Bonifácio de Andrada constata que ela “atinge momentos históricos bem pretéritos”, com menções a atos que teriam ocorrido há mais de 15 anos. O relator lembra, então, ades-conformidade da denúncia coma Constituição de 1988, que estabelece que “o Presidente da República, na vigência de seu mandato, não pode ser responsabilizado por atos estranhos ao exercício de suas funções” (art. 86, § 4.º).
“Tudo o que se menciona antes da posse do presidente da República, todas as acusações levantadas contra ele, em datas anteriores ao seu governo, não deve ser objeto de análise e julgamento, porque a Constituição é clara ao dizer que o presidente não pode ser responsabilizado por fatos estranhos ao exercício de seu mandato”, afirmou o relator.
Além do desrespeito ao texto constitucional, Bonifácio de Andrada alerta para a ausência de provas na segunda denúncia de Rodrigo Ja- not contra Michel Temer. “A tentativa de envolver Ministros de Estado e o Presidente da República num somatório de afirmações acusatórias não encontra respaldo nas várias páginas da denúncia e nem tão pouco na legislação aplicável a partir do texto constitucional”, diz o deputado mineiro.
O parecer nota, por exemplo, que a Procuradoria-Geral da República (PGR) oferece denúncia pelo crime de organização criminosa e, ao mesmo tempo, cita diversos outros crimes, “mas não para puni-los, e sim apenas como exemplos de atividades criminosas atribuídas à organização criminosa”. Ora, isso seria a admissão de que a PGR tem conhecimento de crimes contra os quais intencionalmente não apresenta denúncia. O relatório questiona: “O acusador diz existir uma ampla acusação de organização criminosa, mas não pede a condenação pelos crimes que teriam sido praticados por ela? Tal fato demonstra a fraqueza da denúncia”.
A confirmar a inépcia da denúncia, o relator lembra que uma das acusações de Rodrigo Janot contra o presidente da República é que ele “fez nomeações e organizou o seu Ministério” no momento em que assumiu o governo federal. Bonifácio de Andrada adverte o absurdo dessa colocação. “O Ministério Público desejaria que o presidente da República assumisse o governo sem ministros ou então, colocasse personalidades desconhecidas e de pouca valia ou, sobretudo, de desconhecimento do próprio presidente da República”.
Além de ser um contrassenso, tal acusação deixa evidente como Rodrigo Janot tem pouco apreço pela Constituição. A ação que ele diz ser criminosa – nomear e exonerar ministros de Estado – está prevista na Carta de 1988, em seu art. 84, I, como a primeira competência privativa do presidente da República.
A respeito desse desvirtuamento dos fatos a favor da tese do Ministério Público – de que toda a política e todos os partidos estariam podres –, Daniel Gueber, advogado de Eliseu Padilha, lembrou que, na denúncia, “foi considerado indício de crime o telefonema entre líderes partidários. Mas me causa espanto que esses telefonemas tenham sido usados para provar qualquer coisa senão que os líderes estão trabalhando”.
Cabe agora à Comissão de Constituição e Justiça votar o relatório de Bonifácio de Andrada, que depois seguirá para apreciação do plenário da Câmara. Merece toda a diligência possível a rejeição definitiva da segunda denúncia. É prejuízo demais deixar o País atravancado por causa de uma denúncia inepta.