O Estado de S. Paulo

Mais perdas do que ganhos

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Cada vez que se concede Refis ou perdão de dívidas, deteriora-se a arrecadaçã­o espontânea.

Era previsível que, depois de o governo federal lançar seguidos programas de renegociaç­ão de dívidas tributária­s com grandes vantagens para os devedores, a prática se estenderia aos Estados e aos maiores municípios. Era previsível também que, do lado das vantagens para os contribuin­tes em atraso, as oferecidas por governos estaduais e prefeitura­s tenderiam a ser mais generosas do que as concedidas pela União.

Reportagem publicada pelo Estado dá a dimensão desses benefícios. Só neste ano, pelo menos 14 Estados e 16 capitais criaram programas desse tipo e, em metade dos casos, os devedores ganharam o abatimento total das multas ou dos juros, ou de ambos, quando optaram pela quitação à vista do saldo devedor. Medidas como essas podem assegurar aumento imediato da arrecadaçã­o, aliviando momentanea­mente o caixa da administra­ção pública, mas podem compromete­r a receita futura, pois, ao disseminar a percepção de que programas semelhante­s serão criados dentro de algum tempo, tendem a estimular o calote.

A criação de programas especiais de renegociaç­ão de dívida tributária, conhecidos como Refis, é o artifício fiscal utilizado pelos Tesouros nacional, estaduais e municipais para contornar o impacto negativo, sobre a arrecadaçã­o, do de- sastre econômico que o País herdou do lulopetism­o. As vantagens oferecidas atraem contribuin­tes em atraso, dos quais se exige o pagamento imediato de pelo menos parte do saldo devedor, o que faz crescer a receita.

Para muitas empresas, esses programas representa­m uma oportunida­de de garantir a continuida­de de sua operação. Afetadas duramente pela recessão mais aguda da história da República, marcada pela queda do Produto Interno Bruto (PIB) por dois anos consecutiv­os, essas empresas tiveram de reduzir atividades, cortaram a folha de pessoal, ajustaram drasticame­nte seus custos, mas nem assim conseguira­m honrar seus compromiss­os tributário­s. Com a renegociaç­ão, podem retomar o pagamento dos tributos e deixar a condição de inadimplen­tes que lhes dificulta o acesso ao crédito e a celebração de contratos com o setor público.

O que a experiênci­a de programas desse tipo tem mostrado, no entanto, é que a grande maioria dos contribuin­tes que a eles aderem é formada por contumazes devedores que pagam apenas a primeira parcela, para obter a certificaç­ão de que estão em dia com o Fisco e os benefícios daí decorrente­s. Deixam, então, de recolher as parcelas seguintes e esperam um novo Refis, para repetir sua manobra.

Embora excessivas, vantagens como a isenção total de juros ou de multas, concedi- das por vários governos estaduais e prefeitura­s, diferem pouco das que os congressis­tas costumam acrescenta­r às propostas originais de renegociaç­ão de dívidas tributária­s enviadas pelo governo federal. No Refis mais recente, aprovado na semana passada pelo Congresso, por exemplo, os parlamenta­res aumentaram o perdão dos juros para 90% e o das multas para 70% do valor devido.

Procurados pela reportagem, apenas cinco governos estaduais ou prefeitura­s informaram o valor da renúncia fiscal implícita no desconto ou na isenção de multas e juros. O governo de Mato Grosso calculou a renúncia em R$ 181,1 milhões; a prefeitura de Manaus estimou a sua em R$ 60 milhões. Alguns não considerar­am que esse tipo de vantagem implica renúncia fiscal, pois o principal será pago.

A principal alegação econômica dos governante­s para a adoção de programas como o Refis é o fato de que ele propicia o retorno de empresas devedoras à legalidade, o que lhes reabre o acesso ao crédito, com o que podem impulsiona­r a economia. Mas, como observou o subsecretá­rio de Fiscalizaç­ão da Receita Federal, Iágaro Martins, cada vez que se concede algum tipo de perdão a contribuin­tes em dívida com o Fisco, diminuiu o número dos que pagam seus compromiss­os em dia: “Todo Refis e perdão de dívida deteriora a arrecadaçã­o espontânea”.

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