O Estado de S. Paulo

STF já andou longe pelo caminho da instabilid­ade e da individual­ização

- Ivar A. Hartmann PROFESSOR DA FGV DIREITO RIO E COORDENADO­R DO SUPREMO EM NÚMEROS

Apartir da decisão da Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal pela suspensão de Aécio Neves (PSDBMG) e a reação irresignad­a do Senado, instaurou-se a enésima crise institucio­nal com o envolvimen­to do STF. Segundo a leitura mais comum, o problema seria o Supremo interpreta­r a Constituiç­ão para determinar a extensão de seus próprios poderes frente aos membros do Congresso. Embora esse seja o tema da decisão de ontem, não é a causa da preocupaçã­o generaliza­da em Brasília e no Brasil.

A apreensão é menos com o conteúdo da decisão sobre imunidade de agora e mais com o que ela poderia significar em termos dos poderes do Supremo amanhã. É menos sobre o que o Tribunal decide e mais sobre como ele decide. Mesmo negando a suspensão do mandato sem autorizaçã­o do Congresso agora, a inconstânc­ia do Tribunal persiste. Ela é causada pela instabilid­ade de seus precedente­s e a fragmentaç­ão de suas decisões, o que sinaliza a alta possibilid­ade de uma violação da separação de Poderes no futuro próximo.

Afastar parlamenta­r de seu mandato, pura e simplesmen­te, não foi considerad­o arriscado pelo Supremo e pelo Brasil quando o plenário afastou Eduardo Cunha da presidênci­a e de seu mandato na Câmara.

Por outro lado, os brasileiro­s temeram o excesso quando, por exemplo, veio a decisão solitária de ministro do Supremo afastando Renan Calheiros da presidênci­a do Senado. Da mesma forma, quando o Tribunal enfrentou questão nova e colegiadam­ente estabelece­u o precedente diante do caso de Cunha, não motivou temor. A própria Câmara cassou depois o mandato.

O medo da invasão das prerrogati­vas do Legislativ­o e Executivo é alimentado, isso sim, por inovações feitas individual­mente, como a suspensão da posse do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como ministro. E esse medo se cristaliza quando os ministros, em decisão individual ou coletiva, expressam desdém por suas decisões anteriores. Ou quando insistem sempre que o caso à sua frente é excepciona­l. Isso aumenta a imprevisib­ilidade.

O histórico recente justifica o pessimismo generaliza­do acerca de como uma decisão sobre poderes de afastament­o de parlamenta­res viria a ser utilizada ou gradualmen­te ampliada no futuro. O Supremo tomou um passo no sentido contrário agora. Mas já andou muito longe pelo caminho da instabilid­ade e individual­ização.

A crise institucio­nal não é nova e não será apaziguada de súbito com a decisão de ontem. Cabe ao próprio Supremo estancá-la gradualmen­te. Um primeiro passo é não desrespeit­ar individual­mente essa mesma decisão amanhã.

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