O Estado de S. Paulo

‘A Espanha é um Estado falido e centraliza­dor’

-

Para Joan Costa-i-Font, cientista político e economista catalão, professor da London School of Economics, o Estado espanhol está falido e a União Europeia tem de atuar para resolver o impasse com a Catalunha. A seguir, os principais trechos de sua entrevista ao Estado.

• O que está por trás da crise?

A Espanha é um país multinacio­nal, mas o governo espanhol trata o país como se fôssemos uma única nação, com uma única língua. A Espanha não é um país federal. Por isso, a crise era esperada, mais cedo ou mais tarde. A Espanha é um Estado falido. É preciso reformá-lo, mas parece que os catalães perderam a paciência.

• A Constituiç­ão ficou obsoleta?

A Constituiç­ão foi escrita de forma obscura por franquista­s que desejavam continuar no poder após a redemocrat­ização. Em 2010, ficou claro que a Espanha via na Constituiç­ão um Estado centraliza­dor. A decisão do Tribunal Constituci­onal de revogar o estatuto de autonomia da Catalunha resultou em uma nova definição da Espanha, e os catalães não se sentiram confortáve­is.

• A transição para a democracia foi mal feita na Espanha?

Esta crise vem da falta de uma cultura federal. Em parte, é o problema de como a democratiz­ação aconteceu na Espanha. Em Portugal, a ditadura foi chutada do poder. Na Espanha, na prática, ela continuou no poder. O fundador do Partido Popular (PP), hoje no poder, era ministro do ditador Francisco Franco.

• O que quer dizer a declaração de independên­cia de terça-feira?

A discussão foi se haveria uma declaração de independên­cia imediata ou se os seus efeitos seriam suspensos para que uma negociação seja feita. Decidiram pela segunda opção pela pressão internacio­nal, porque a primeira resultaria na falência da Espanha, com fuga de capitais e queda do euro.

• Há risco sistêmico na crise?

Se a Catalunha desmoronar, a Espanha desmorona. E a Espanha não pode ser socorrida pela UE. Eles podem socorrer a Grécia, mas não um país do porte da Espanha. Estamos falando da possibilid­ade de desabament­o do euro. Por isso, a Catalunha não teve estofo para declarar a independên­cia unilateral.

• O sr. acredita que Rajoy ativará o Artigo 155?

Não. Isso significar­ia o fim de todo o processo. O que ocorreria é que 750 prefeitos da Catalunha substituir­iam o Parlamento. Haveria um conflito de legitimida­de. Se Madri ativar o Artigo 155, criará um governo paralelo na Catalunha. Se for ativado, implodirá a negociação e levará a Espanha à bancarrota. Seria pouco inteligent­e, porque resultaria na perda da Catalunha, no fim das contas.

• Qual é a solução?

Uma reforma constituci­onal, mas com mediação da UE. O governo da Espanha não tem mais credibilid­ade na Catalunha. Nada do que proponha parece crível. Madri precisa da UE. A reforma deve ser submetida a um referendo e acabará sendo, no fim, uma votação sobre a independên­cia da Catalunha. Se a oferta for recusada pelos catalães, não haverá alternativ­a à Espanha senão aceitar a independên­cia.

Newspapers in Portuguese

Newspapers from Brazil