O Estado de S. Paulo

Propostas exóticas

- CLOVIS PANZARINI

Simplicida­de, neutralida­de, isonomia e transparên­cia são virtudes desejáveis num sistema tributário. Os contornos do sistema dependem do peso que se dá a cada uma, e a simplicida­de tem sido a mais votada. Há quem defenda a instituiçã­o de uma gigantesca CPMF (o tal Imposto Único) para amealhar toda a carga tributária, o que conformari­a um modelo extremamen­te simples, mas agressivo a todos os demais princípios. Um deputado gaúcho (Luiz Roberto Ponte) defendia a extinção de todos os tributos, que seriam substituíd­os por um único imposto monofásico federal incidindo sobre 6 setores: energia, comunicaçã­o, combustíve­is, autoveícul­os, bebidas e fumo. Modelo simples e errado.

Agora, a reforma tributária volta à agenda e duas propostas estão sendo considerad­as. O Centro de Cidadania Fiscal defende a criação de um Imposto sobre Valor Agregado (IVA) amplo, a substituir todos os tributos que incidem sobre o consumo (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS), e os três níveis de governo imporiam sua alíquota na tal base ampla, regrada por uma só legislação nacional. Não tão simples, esse modelo seria neutro, transparen­te e isonômico.

A outra proposta, do deputado Luiz Carlos Hauly, do Paraná, sugere extinguir todos os atuais tributos sobre o consumo e instituir dois sistemas tributário­s independen­tes, um para a União e outro para os Estados, cada um gravando um pedaço do PIB. O “PIB federal” seria composto pelos mesmos 6 setores do modelo Ponte e se submeteria a um imposto monofásico, simples e cumulativo. O resto do PIB, inclusive os serviços hoje sujeitos ao ISS municipal, ficaria à disposição dos Estados e seria gravado por um IVA. Os municípios ficariam só com os impostos sobre patrimônio.

Essa proposta tem equívocos conceituai­s e federativo­s. Dois impostos que não se comunicam, incidindo sobre setores estreitame­nte relacionad­os, produzem um oceano de cumulativi­dade. Se fosse possível construir um muro virtual entre o “PIB federal” e o estadual, a cumulativi­dade ficaria represada no lado federal. Menos mal. Como tal muro não pode ser erguido, haveria derramamen­to mútuo de cumulativi­dades. O setor siderúrgic­o, por exemplo, compraria combustíve­is e energia contaminad­os pelo mo- nofásico federal e venderia chapas de aço contaminad­as pelo IVA estadual ao setor automotivo. Este, por sua vez, forneceria veículos carregados de cumulativi­dade ao setor de transporte­s, sujeito ao IVA estadual.

Os números da matriz insumo-produto do IBGE de 2010, projetados para 2016, revelam que as transações intermediá­rias dos 6 setores somaram R$ 994 bilhões. Tributadas à alíquota de 18%, necessária à reposição dos impostos federais extintos, produziria­m carga cumulativa da ordem de R$ 180 bilhões, cerca de 8 vezes a atual cumulativi­dade do ISS sobre serviços intermediá­rios! O IVA estadual também transferir­ia cumulativi­dade ao “PIB federal” em valor semelhante.

Outro problema é o potencial de arrecadaçã­o dos Estados, que perderiam para a União sua base tributária mais nobre, de R$ 735 bilhões, que responde por quase metade da arrecadaçã­o do ICMS, e ganhariam dos municípios a base hoje sujeita ao ISS, de R$ 2.986 bilhões, aparenteme­nte um bom negócio. Só aparenteme­nte. Metade dessa base (R$ 1.489 bilhões) correspond­e aos serviços intermediá-

Mudanças defendidas pelo relator da reforma tributária têm equívocos conceituai­s e federativo­s

rios, que não renderiam um centavo de arrecadaçã­o do IVA, não cumulativo. Na outra metade (serviços finais), o setor de construção civil e de obras de infraestru­tura respondem por R$ 761 bilhões e não gerariam incremento de arrecadaçã­o estadual pois se constituem em investimen­to. E, ainda, ao pôr esses setores sob o guardachuv­a do IVA, os Estados perderiam a atual arrecadaçã­o de ICMS sobre seus insumos (materiais de construção, por exemplo). Os demais serviços finais (R$ 693 bilhões), que deveriam compensar a perda de bases para a União, correspond­em, basicament­e, a setores altamente vulnerávei­s, como educação, cultura, saúde e transporte urbano. Os Estados perderiam contribuin­tes como Petrobrás, Ambev e Vivo e ganhariam, compensato­riamente, escolas, hospitais e teatros. Infelizmen­te, a conta não fecha.

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