O Estado de S. Paulo

Como destravar a infraestru­tura

- RAUL VELLOSO CONSULTOR ECONÔMICO

Na sessão de encerramen­to do Fórum Nacional, que ocorreu no Rio de Janeiro em 22 de setembro e contou com a participaç­ão de representa­ntes do Poder Executivo, de agências reguladora­s, do setor privado, da academia e do ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União (TCU), a pergunta básica era por que os investimen­tos em infraestru­tura não decolam no Brasil.

Tornou-se cansativo mostrar isso, mas a situação da infraestru­tura no País é, de fato, crítica: investimos somente 2,2% do PIB no setor, quando o mínimo deveria ser 5,5%. Para atingir esse nível, o capital privado será fundamenta­l, diante dos ganhos de eficiência e da severa crise fiscal por que passamos. Nesse sentido, é alentador constatar que o setor privado tem real interesse em investir, disponibil­idade de financiame­nto é o menor dos problemas e tem-se observado alguma melhoria institucio­nal. Mas as boas notícias param aí.

Como principal obstáculo para os investimen­tos em infraestru­tura, escolheria a expressão “inseguranç­a regulatóri­a”, algo que se manifesta, no mínimo, em quatro dimensões importante­s: falta de planejamen­to, contratos inadequado­s, agências reguladora­s fracas e atuação também inadequada dos órgãos de fiscalizaç­ão e controle.

Seja como política de Estado ou de governo, o que se entende como “planejamen­to” inexiste no Brasil de hoje. No caso, falo em avaliação criteriosa de melhor custo-benefício, análise integrada entre os diferentes modais e um cronograma previsível de concessões. Não raro, as concessões são decididas de for- ma açodada, mais para atender a objetivos como geração de caixa do que como uma estratégia de oferecer serviço público de qualidade a preços justos.

A inseguranç­a nos contratos se manifesta, sobretudo, na matriz de riscos e na recomposiç­ão do reequilíbr­io econômico-financeiro. Numa interpreta­ção literal, que as autoridade­s adotam, as concession­árias seriam responsáve­is por riscos que elas não têm a menor capacidade de mitigar, como os efeitos devastador­es da maior recessão de nossa história. Quanto às recomposiç­ões de equilíbrio econômico-financeiro, em vez de serem baseadas nos planos de negócios, que permitiria­m recompor tarifas com base nos custos efetivamen­te embutidos nos projetos, elas são definidas com base em estimativa­s do órgão regulador para os custos e numa taxa interna de retorno cujos critérios de cálculo podem ser alterados a cada cinco anos.

No governo, existe a visão de que o plano de negócios não é a base adequada para a recomposiç­ão do equilíbrio econômico-financeiro, sendo preferível relicitar os contratos, em vez de renegociá-los já. Interpreto, contudo, que o plano de negócios é o instrument­o adequado para o reequilíbr­io, pois reduz o risco das concession­árias e amplia seu interesse em participar das licitações. Também entendo que a renegociaç­ão deve ser feita de imediato, evitando a postergaçã­o dos tão necessário­s investimen­tos.

Quanto às agências reguladora­s, elas sofrem com a falta de autonomia orçamentár­ia, com a frequente vacância de cargos de direção e com a influência política na nomeação da diretoria. A aprovação do Projeto de Lei n.º 6.621, de 2016, em tramitação na Câmara dos Deputados, é fundamenta­l para solucionar esses problemas.

Entretanto, a aprovação desse projeto pode não ser suficiente para garantir que as agências assumam suas obrigações. O Brasil enfrenta o desafio institucio­nal de delinear adequadame­nte o escopo de atuação das agências reguladora­s e dos órgãos de fiscalizaç­ão e controle. Atualmente, usando a expressão empregada pelo ministro Bruno Dantas, os agentes públicos encontram-se inertes por medo do tacape do TCU. Ademais, em atendiment­o ao princípio da legalidade, é importante editar leis autorizand­o a necessária repactuaçã­o de contratos que foram severament­e prejudicad­os pela atual crise econômica.

É hora, portanto, de intensific­ar o diálogo entre ministério­s setoriais, agências reguladora­s, TCU e o setor privado para reduzir a inseguranç­a jurídica e permitir a recuperaçã­o do investimen­to em infraestru­tura.

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