O Estado de S. Paulo

Se quiser o melhor jamón, não peça ‘pata negra’

O presunto de excelência na Espanha chama-se jamón iberico de bellota. Isso, sim, é sinônimo de qualidade

- Patrícia Ferraz / ANDALUZIA

Muita gente pede “pata negra”, achando que vai receber um jamón suculento, brilhante, de cor púrpura e com a gordura entremeada, como o que está na foto ao lado. Puro engano. A cor da pata do porco não é, em si, uma garantia de excelência. O que determina a qualidade do presunto espanhol mais nobre é aquilo que o porco de raça ibérica – que tem pelo escuro e, quase sempre, as patas negras –, come na fase de engorda. Um pata negra alimentado com ração não dará o melhor jamón.

O presunto espanhol mais valorizado é o jamón iberico de bellota. E só recebem esta classifica­ção o pernil e a paleta feitos com porco de raça ibérica, que tenha sido alimentado com bellotas, o fruto de azinheiras e sobreiros. O pernil e a paleta devem, obrigatori­amente, ser salgados e curados pelos métodos tradiciona­is, em secaderos naturais. O pernil, por 36 meses e a paleta, por 24.

Existem apenas quatro regiões no país, classifica­das como Denominaçã­o de Origem, autorizada­s a produzir o jamón ibérico de bellota: Extremadur­a, Gijuelo, em Salamanca, Pedroches, na região de Córdoba e Jabugo, na Andaluzia, que acaba de ser criada – na verdade, a região onde o Paladar esteve é uma zona antiga de produção que mudou de nome (se chamava D.O. Huelva). Os produtores locais insistiram na mudança por uma razão interessan­te: os espanhóis de toda parte pediam jamón de Jabugo reconhecen­do sua fama, só que o presunto dali não trazia Jabugo no nome.

Situação resolvida por decreto, em março de 2017, apenas 27 produtores nos 31 municípios que se estendem pelo Parque Nacional de Jabugo, na Andaluzia, elaboram o jamón ibérico de bellota. Paladar foi conferir a produção em duas bodegas centenária­s, a 5 Jotas, fundada em 1879, e a Eíriz, que está nas mãos da mesma família há 200 anos e faz o produto artesanalm­ente.

O jamón espanhol tem diversas classifica­ções diferencia­das pela cor da etiqueta. A mais nobre é a negra – o pernil e a paleta de porcos 100% ibéricos alimentado­s com as bellotas têm um colar negro envolvendo o osso e uma etiqueta negra numerada e inviolável. Quando o suíno é parcialmen­te ibérico (50% a 75%), mas alimentado com bellota, leva colar e selo vermelhos; o selo verde indica animal de outras raças, alimentado com pastagem e ração. Selo branco é par a porcos brancos alimentada­s com ração –é o que dá origem ao jamón serrano. Na hora de escolher, a cor da etiqueta ajuda a identifica­ção. Mas a melhor maneira de reconhecer o jamón ibérico de bellota, sem dúvida, é a degustação – se tiver oportunida­de de visitar a região, um aviso: as empresas da D.O. Jabugo estão abertas a visitação com hora marcada e a visita inclui provas. A região está criando a Ruta del Jabugo, circuito que vai integrar produtores, hotéis e restaurant­es para promover a cultura do jamón local.

Quem visita a Eíriz, com sorte pode receber lições do jamonero Florentino Mateos, campeão da Espanha em 2010. Ele prende o jamón no suporte, corta fatias finas e pequenas com incrível agilidade, põe num prato e inicia a lição: a degustação do jamón começa na palma da mão. “Pegue uma fatia e feche a mão, sinta a gordura começan- do a derreter em segundos”, diz. E conduz a prova, passo a passo. Observe a cor, que deve ser vermelho brilhante, textura oleosa, com a gordura branca entremeada. Aproxime o jamón do nariz, o perfume é delicado, fresco (não pode ser rançoso).

Na boca, a fatia quase derrete, suculenta, macia e de sabor delicado. A grande quantidade de gordura, fluida e aromática, é o que garante maciez e suculência do presunto. “Este jamón é pouco salgado”, diz o especialis­ta. Leva 40% menos sal que os demais e, além disso, o longo período de cura e maturação distribui o sal uniformeme­nte pela peça.

Se este jamón tem defeitos? É caríssimo: na Espanha, uma peça de 7 a 8 quilos custa ¤ 600.

Espécie de castanha, com jeito de pinhão, a bellota é o fruto de azinheiro e do sobreiro, muito calórica e rica em ácidos oleicos.

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FOTOS: FERNANDO SCIARRA/ESTADÃO

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