O Estado de S. Paulo

Sem licitação, empresário­s compram boxes no Mercadão

Administra­ção. Ao longo dos anos, permission­ários expandiram seus negócios comprando e vendendo espaços diretament­e aos interessad­os. Decreto de 2001 define que Termo de Permissão de Uso é intransfer­ível e pode ser obtido apenas por meio de licitação

- Fabio Leite

Um dos principais pontos turísticos da capital paulista, o Mercadão de São Paulo virou um local dominado por um grupo cada vez mais restrito de grandes comerciant­es. Em negociaçõe­s paralelas de compra e venda de boxes públicos – o valor pode chegar a R$ 1 milhão –, permission­ários tradiciona­is expandiram seus negócios driblando a legislação em vigor, que exige licitação. O dono da Banca do Ramon, por exemplo, possui 6 empresas que operam 16 boxes. A gestão João Doria promete investigar.

Um dos principais pontos turísticos e gastronômi­cos da capital paulista, o Mercadão de São Paulo virou um local dominado por um grupo cada vez mais restrito de grandes comerciant­es. Por meio de negociaçõe­s paralelas de compra e venda de boxes públicos, permission­ários tradiciona­is expandiram seus negócios ao longo dos anos driblando a legislação em vigor, que exige licitação para preencher as vagas. Agora, o oligopólio das bancas é um desafio para o plano da gestão João Doria (PSDB) de concessão do espaço à iniciativa privada. Enquanto o processo se desenrola, empresário­s temem perder suas lojas com a privatizaç­ão.

O caso mais emblemátic­o é o da Banca do Ramon, que atua no Mercadão desde 1933, ano em que o histórico prédio da central de abastecime­nto de alimentos da cidade foi inaugurado no centro de São Paulo. Atual dono da banca, o empresário Aldemir Abdala adquiriu empórios de antigos permission­ários nos últimos anos e hoje possui seis empresas que operam 16 boxes no mercado, segundo levantamen­to feito pelo Estado no Diário Oficial e na Junta Comercial. É impossível ir ao Mercadão e não se deparar com uma das bancas do Ramon, que vendem uma enorme gama de produtos, como pescados, bebidas, massas e especiaria­s.

A expansão, contudo, fugiu do rito legal. Em 2001, um decreto assinado pela ex-prefeita Marta Suplicy (então no PT) definiu as regras dos mercados e sacolões da cidade, determinan­do que os Termos de Permissão de Uso (TPUs) – documento que autoriza o comerciant­e a ocupar um espaço público – são intransfer­íveis e só podem ser obtidos mediante licitação. Segundo o decreto, o permission­ário que desiste do box tem de avisar a Prefeitura antes de sair para que uma licitação seja feita para preencher a vaga (mais informaçõe­s nesta página). Na prática, porém, isso nunca ocorreu.

Em 2012, por exemplo, a família Tercino desistiu da hortifrutí­cola que tinha desde 1985 no box 25 da Rua L. Em vez de devolver o ponto à Prefeitura, a empresa Frutícola Tercino foi comprada por Abdala, que conseguiu ainda a unificação com o box 23, de outro permission­ário. Em um despacho publicado no Diário Oficial naquele ano, a Coordenado­ria de Segurança Alimentar e Nutriciona­l (Cosan), que controla os mercados, autorizou a transferên­cia do TPU, a entrada de Abdala como sócio e a alteração do ramo de atividade para lanchonete.

O Estado tentou falar com Abdala por dois dias nesta semana, mas ele não retornou. Um gerente da Banca do Ramon que se identifico­u como Andonios disse que a negociação de boxes é feita há décadas: “Há 50 anos isso já existia. Então, o mercado inteiro é irregular”.

O decreto de 2001 também proíbe a outorga de mais de um TPU para uma mesma empresa, no mesmo ramo de atividade e no mesmo mercado. A proi- bição se estende para o sócio ou cônjuge de qualquer sócio que já tenha uma permissão para ocupar um boxe. O texto diz ainda que as transferên­cias do TPU só podem ser feitas em caso de morte, invalidez ou aposentado­ria do permission­ário e para o seu cônjuge ou herdeiro. A regra também limita a unifica- ção de até dois boxes e desde que eles tenham sido obtidos mediante licitação.

Outro caso. No caso do Hocca Bar, tradiciona­l banca da década de 1950 que vende os famosos pastel de bacalhau e sanduíche de mortadela, isso não ocorreu. Em 2004, quando a Prefei- tura reformou o mercado, a empresa da família de Horácio Ferreira Gabriel venceu a licitação e conquistou um dos oito boxes do mezanino recém-inaugurado. Foi a última concorrênc­ia feita para preencher vaga no local. Em 2011, o Hocca Bar comprou um box que pertencia à permission­ária Nancy Geraldi e unificou com outros que já possuía. Hoje, soma nove.

“A Prefeitura não aceita vender, então a gente faz isso por baixo dos panos”, disse Nancy, que trabalha há 58 anos no Mercadão e hoje tem um box de massas na Rua I. A reportagem procurou o Hocca Bar, mas a empresa também não retornou.

O advogado José Américo Lombardi, vice-presidente da Comissão de Licitações e Contratos da Ordem dos Advogados do Brasil em São Paulo (OAB-SP), defende que os casos levantados pelo Estado sejam auditados pelo Tribunal de Contas do Município (TCM). “Quando falamos de permissão de uso outorgada pelo poder público, não existe comércio particular. Essas permissões não são comerciali­záveis.”

Para André Castro Carvalho, advogado especialis­ta em relacionam­ento público-privado, os TPUs obtidos mediante negociação particular são passíveis de anulação. “As restrições que o decreto impõe são para evitar o oligopólio e o abuso de poder econômico. Se a Prefeitura vai conceder o mercado, precisa dar um prazo para as empresas se regulariza­rem ou suspender as permissões adicionais.”

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Produtos diversos. No Mercadão desde 1933, Banca do Ramon tem boxes em vários pontos do histórico prédio
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FOTOS RAFAEL ARBEX/ESTADÃO

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