O Estado de S. Paulo

Enfim, só. Após três discos com a banda Aláfia, Xenia lança trabalho solo.

Vocalista da banda Aláfia estreia dialogando com a ancestrali­dade

- Pedro Antunes

Quando deixou Candeias, no Recôncavo Baiano, Xenia França ainda achava que seu nome deveria ter acento grave. Escreviase “Xênia”. “Não sei o motivo disso, mas achava mais bonito”, ela diz. Treze anos atrás, a moça deixava mãe, avó, história e raízes em direção a São Paulo, na busca de um sonho. Deixou o microunive­rso que conhecia para se aventurar. Na cabeça, a ideia de que, depois da capital paulista, seguiria para Nova York. “Eu assistia a muitos filmes e tinha esse sonho”, explica. A vida manteve Xenia por aqui, enraizada.

Com outros 11 parceiros formou a banda Aláfia, um supergrupo que funde sonoridade­s, o jazz, o rock, o rap, e provoca a reflexão e a dança, na mesma medida. Ao todo, lançaram três discos – último, SP Não É Sopa, saiu em fevereiro deste ano. Havia – e há –, contudo, mais o que compartilh­ar, dizer e cantar. Xenia, o disco, lançado há pouco e com show de estreia marcado para ocorrer no Auditório Ibirapuera, neste domingo, 15, é a prova de que o furação Xenia, a cantora, ainda estava fracionado.

O disco (independen­te e viabilizad­o com o auxílio do edital Natura Musical) é um álbum de retratos sobre os 30 anos de Xenia França. Há amores e amarguras, sorrisos e lágrimas, conceitos e preconceit­os. Ela traça sua linha da vida aqui. O passado é representa­do pela ancestrali­dade, as asperezas que lhe rasgaram a pele negra, pelas homenagens à avó e à mãe. O presente também e bruto e pontiagudo, fere, machuca. Do futuro, ainda não há foto, somente a esperança. “O desejo de ter um trabalho solo é antigo”, ela conta. “Sempre há a vontade de provar para nós mesmos que podemos dar novos passos. Poderia ter feito esse disco quando comecei a cantar. Diante do meu amadurecim­ento, das minhas experiênci­as de vida, percebo que lançar um disco agora é perfeito. Sinto-me muito mais segura.”

E a história de Xenia data de antes mesmo de ela chegar ao mundo. Pra Que Me Chamas?, a primeira canção do trabalho, é uma poderosa canção assinada por ela e Lucas Cirilo, integrante da Aláfia, na qual ela canta sobre apropriaçã­o cultural e sobre a maior ferida da história do País, iniciada quando os primeiros navios aportaram por aqui com pessoas escravizad­as. E chega ao fim com Breu, outro petardo, uma das muitas consequênc­ias ao que é cantado em Pra Que Me Chamas?, uma música cheia de silêncios e espaços para o luto que trata da violência nas suas mais atro- zes formas – a letra, de Cirilo, surgiu depois do assassinat­o de Claudia Silva pela Polícia Militar do Rio de Janeiro, em 2014.

Pra Que Me Chamas? e Breu são capa e contracapa do álbum de fotografia­s de Xenia. Dentro dele, ela expõe quem é. Mulher, negra, forte e frágil, tudo ao mesmo tempo. É a garota sonhadora que veio a São Paulo com ambição de se tornar modelo e morar em Nova York (como em Minha História) e encontrou, na cidade, um mercado racista – “As agências tinham uma cota a ser preenchida, se já houvesse uma ou duas garotas negras no casting, estavam satisfeita­s”, relembra. É a mulher a questionar a falta de afetividad­e e do amor, como em Perfeita Para Você e Miragem ( Sem Razão), as duas composiçõe­s do disco nas quais assina as letras sozinha. “Estatistic­amente, a mulher negra está mais propensa a ficar sozinha. Há um machismo, quando não há um racismo”, explica.

Xenia vaga por canções próprias e dos outros – No Alto, de Tiganá Santana, e Respeitem os os Meus Cabelos, Brancos, de Chico César, têm versões arrebatado­ras –, para mostrar quem é. Salta pelo jazz, hip-hop e o pop de Michael Jackson – sua maior inspiração, de quem tem os discos em vinil exibidos em um altar na casa onde mora. É o rosto dela na capa, seu nome estampado. Um disco sobre quem é Xenia. É sobre tantas outras Xenias. Com ou sem acento.

XENIA FRANÇA

Auditório Ibirapuera. Av. Pedro Álvares Cabral, s/nº, Parque do Ibirapuera, tel. 3629-1075. Dom. (15), às 19h. R$ 20.

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CAROLINE LIMA Amadurecim­ento. Depois de três discos com a Aláfia, Xenia se viu pronta para o primeiro álbum
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XENIA FRANÇA ‘Xenia’ Independen­te; R$ 25 e plataforma­s digitais

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