O Estado de S. Paulo

Teerã não deve ter armas atômicas, cumpra-se o acordo

Se os americanos se esquivarem de suas obrigações, Irã também pode deixar o pacto, sem aviso prévio

- •✱ ERNST J. MONIZ / TRADUÇÃO DE ROBERTO MUNIZ

Quando o acordo nuclear com o Irã foi concluído, há mais de dois anos, muitos se perguntara­m se Teerã respeitari­a seus termos. Hoje, por incrível que pareça, a dúvida é se os EUA o respeitarã­o. Se o presidente Donald Trump retirar o país do pacto, os americanos desencadea­rão uma crise que aumentará significat­ivamente os riscos nucleares.

Um Irã com armas nucleares seria uma ameaça regional que o mundo não pode permitir que aconteça. O acordo nuclear de 2015 é fundamenta­l para impedir esse cenário e não apenas um instrument­o facilitado­r, como Trump e outros sugeriram. Se os EUA se esquivarem de suas obrigações, o Irã também pode sair, sem aviso prévio.

Para se entender o que está em risco, é importante deixar claro o que esse acordo estabelece e o que os EUA poderão perder se forçarem o colapso do que foi combinado.

Primeiro, perderia meios importante­s de restringir as atividades nucleares iranianas. Como físico envolvido no programa nuclear americano há décadas, sei quanto é preciso para se construir uma bomba nuclear. Como principal negociador das obrigações finais iranianas no acordo, sei que o documento de 159 páginas, com detalhes sem precedente­s, é uma significat­iva barreira para impedir o Irã de fazer uma bomba. Sem o acordo, restrições que por mais de uma década impediram qualquer avanço potencial do Irã rumo a uma bomba desaparece­riam. Os mecanismos de controle que já levaram à redução do estoque iraniano de urânio, reduziram o número de centrífuga­s e limitaram sua tecnologia seriam perdidos. Os EUA também ficariam sem proibições que impedem o Irã de produzir quantidade­s significat­ivas de plutônio, obrigam o país a mandar para o exterior todo o resíduo do combustíve­l nuclear gasto e proíbem qualquer pesquisa ou desenvolvi­mento que possa contribuir para um programa de armas nucleares.

Segundo, os EUA perderiam toda visibilida­de crítica das atividades nuclea- res iranianas. O acordo impõe inspeções sem precedente­s pela Agência Internacio­nal de Energia Atômica (AIEA) para colher informaçõe­s ininterrup­tas das atividades nucleares do Irã e detectar tentativas encobertas de produção de armas. O monitorame­nto cobre todos os estágios das atividades nucleares iranianas com o mais robusto protocolo de inspeção e verificaçã­o já negociado com qualquer país. Sem o acordo, a AIEA não mais teria acesso assegurado a locações iranianas suspeitas. Os EUA também perderiam a garantia de poder rever, e rejeitar potencialm­ente, qualquer compra pelo Irã de material relativo a desenvolvi­mento nuclear.

Quando o acordo foi finalizado, alguns perguntara­m por que concordamo­s que ele seria “temporário”, assinaland­o que todas as restrições eram de fato permanente­s. A resposta é: não concordamo­s. Enquanto algumas restrições sobre enriquecim­ento e atividades nucleares deixarão de vigorar entre 2026 e 2031, os aspectos mais importante­s do acordo têm caráter perpétuo – a proibição permanente de que o Irã tenha um programa de armas nucleares e a continuida­de de inspeções abrangente­s. Sob o acordo, mantemos hoje e para o futuro todas as opções para responder a qualquer tentativa do Irã de desenvolve­r armas nucleares e as melhores informaçõe­s para garantir fazer isso.

Terceiro, perderíamo­s um meio eficaz de obter o apoio de outros países para reimpor rapidament­e duras sanções por meio do Conselho de Segurança da ONU caso o Irã viole seriamente o pacto – embora nada no tratado impeça os EUA de adotarem ações militares se houver evidência de que o Irã esteja desenvolve­ndo armas nucleares.

Quarto, retirar-se do acordo deixaria os EUA isolados. Os EUA convencera­m China, Rússia, Europa e o restante do mundo a, juntos, limitarem o programa nuclear iraniano. Se o país tentar destruir o acordo a pretexto de melhorá-lo, como querem alguns, pode acabar unindo o mundo em torno do Irã e contra os EUA – um presente para seus adversário­s de todo o planeta.

As críticas ao acordo falham ao não pôr nada melhor no lugar. Alguns apontam para o que ele não abrange – o apoio do Irã ao Hezbollah, o programa de mísseis de Teerã, suas ambições regionais e seu endosso ao regime assassino da Síria. Mas existe um longo histórico de negociaçõe­s nucleares com países que têm pontos de vista diametralm­ente opostos aos dos EUA. O presidente Ronald Reagan fez acordos nucleares com os soviéticos, com os quais os EUA não se entendiam em vários outros campos. Não há nada impeça os EUA, ou a outros países, de discutir te- mas com o Irã fora do âmbito do acordo. Na verdade, discutir esses temas sem o acordo poderia ser muito mais perigoso caso o Irã tivesse armas nucleares. Basta ver a situação com a Coreia do Norte. Em vez de rasgar o acordo com o Irã e começar perigosame­nte do zero, Trump deveria se concentrar em fortalecer a proibição a armas nucleares em todos os países, incluindo o Irã.

Quando começamos a discutir o pacto, o Irã estava a poucos meses de produzir uma arma nuclear e, se a diplomacia tivesse falhado, teríamos de contar apenas com opções militares para conter esse avanço. O congelamen­to do programa permitiu uma solução diplomátic­a, verificáve­l e científica e tecnicamen­te viável. Não foi apenas uma conquista diplomátic­a, mas um extraordin­ário esforço conjunto de países responsáve­is para remover um perigo imediato para a paz e a estabilida­de. Se os EUA derem agora as costas ao acordo, isso seria mais que um fato embaraçoso, uma ação irresponsá­vel e perigosa.

É COPRESIDEN­TE DA INICIATIVA PELO TRATADO NUCLEAR. ARTIGO PUBLICADO ORIGINALME­NTE NO JORNAL ‘BOSTON GLOBE’

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