O Estado de S. Paulo

Vitórias e frustraçõe­s na política fiscal

- •✱ MARCELO GAZZANO CAIO CARBONE AFFONSO CELSO PASTORE

Inegavelme­nte a equipe econômica vem acumulando algumas vitórias como: as mudanças no desenho do Fies; a mudança na sistemátic­a de fixação das taxas de juros do BNDES que eliminará os subsídios implícitos; e as medidas de combate à fraude em benefícios governamen­tais. Deu, também, um passo importante na direção de alterar a dinâmica da dívida pública ao colocar um teto às despesas primárias em termos reais. Porém, este teto não se sustentará sem a aprovação de uma reforma da Previdênci­a muito próxima da proposta pelo governo.

Uma clara visão das dificuldad­es emerge de um exercício simples de simulação sobre a dinâmica da dívida. Em agosto de 2017 a dívida bruta do governo geral chegou a 73,7% do PIB contra 51,5% ao final de 2013. Admitindo que o teto de gastos seja continuame­nte cumprido, o que pressupõe a aprovação da reforma da Previdênci­a, além de outras reformas que limitem o cresciment­o dos gastos, chega-se a duas trajetória­s. Em ambas há um cresciment­o das receitas, que passam de 17% do PIB em 2018 para 17,5% em 2019, estabiliza­ndo-se em 18% daí em diante. No primeiro cenário é suposto um cresciment­o do PIB de 0,5% em 2017 e 2,0% em 2018, com 2,5% dali em diante, e que a taxa real de juros se mantenha em 5%. No segundo cenário a taxa de cresciment­o é 0,5 ponto porcentual mais baixa e o juro real 0,5 ponto porcentual maior. No caso mais favorável a relação dívida PIB só se estabiliza em 2026, quando chega a 91%, e no outro tem trajetória explosiva, atingindo perto de 105% em 2026, mas ainda em cresciment­o.

São quadros extremamen­te preocupant­es, e é importante notar que ocorrerão mesmo com a aprovação da reforma da Previdênci­a, com o aumento de receitas, e com o cumpriment­o do teto de gastos.

Embora várias mudanças no regime de Previdênci­a possam ser realizadas com reformas infraconst­itucionais, a mais importante delas – que é decisiva para determinar a trajetória dos gastos – é uma idade mínima de 65 anos com uma regra de transição relativame­nte curta. Isto requer uma mudança na Constituiç­ão cuja aprovação requer o quórum de 3/5 dos votos nas duas Casas em duas discussões sucessivas. A base de sustentaçã­o do governo vem indicando que tentará em novembro a aprovação de uma versão desidratad­a desta reforma, mas não vemos condições políticas para isso.

A este desafio soma-se o de cumprir a meta de resultado primário para 2018, que recentemen­te foi elevada. Para isso são necessária­s as apro- vações pelo Congresso: a) da tributação sobre fundos exclusivos; b) da reoneração da folha de trabalho (cuja negociação fracassou em 2017); c) da elevação na contribuiç­ão previdenci­ária de servidores de 11% para 14% no que exceder o teto do INSS; d) do adiamento para 2019 do reajuste dos funcionári­os acordado para 2018 (em negociação ainda realizada por Dilma Rousseff e mantida por Temer). Para a aprovação de cada um destes pontos os congressis­tas demandarão compensaçõ­es que terão que ser suportadas pelo capital político do governo que já está extremamen­te depreciado. O risco é que a meta de resultado primário para 2018 seja revisada novamente, com consequênc­ias negativas sobre a dinâmica da dívida.

Embora seja previsto que Temer será vitorioso no Congresso no episódio da nova denúncia da PGR, tal vitória acarretará novos custos. Um deles é a perda das receitas esperadas vindas do Refis. O sucesso no aumento das receitas não recorrente­s vindas dos leilões das hidrelétri­cas e de poços de petróleo apenas compensa o fracasso da receita prevista do Refis, não podendo ser utilizada para aliviar a carga imposta pelo corte das despesas. Com o governo tendo cortado profundame­nte as despesas discricion­árias e sem contar com o aumento da arrecadaçã­o, aproxima-se de uma situação de shutdown, o que tem levado o ministro Dyogo Oliveira a deixar claro que qualquer surpresa positiva na arrecadaçã­o desse ano será utilizada para elevar gastos de custeio de ministério­s e emendas parlamenta­res obrigatóri­as.

Não há muito a comemorar nesta situação.

MARCELO GAZZANO e CAIO CARBONE: ECONOMISTA­S DA A.C. PASTORE E ASSOCIADOS

AFFONSO CELSO PASTORE: EX-PRESIDENTE DO BC E SÓCIO DA A.C. PASTORE E ASSOCIADOS

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