O Estado de S. Paulo

Noite de obra-prima

U2 faz hoje em SP o primeiro dos quatro shows da turnê The Joshua Tree.

- NA WEB. Um passeio pela vida e obra da banda. estadao.com.br/e/U2

O U2 está olhando para trás. Mira um passado no qual The Joshua Tree, o seminal disco lançado há 30 anos, era um tratado de amor em tempos de cólera e ódio. A Guerra Fria ainda mantinha as tensões internacio­nais aquecidas. Ainda havia um muro erguido em Berlim. No show, com abertura de Noel Gallagher, que celebra as três décadas do seu mais importante álbum – com mais uma daquelas turnês blockbuste­rs com as quais a banda está mais do que acostumada – eles enfrentam a torturante noção de que o relógio girou, o tempo passou, mas o mundo se repete.

Os tempos, em 2017, ainda são de horror. Os muros, se não foram ainda erguidos, já separam o “nós” dos “eles”, em um movimento mundial ultraconse­rvador e nacionalis­ta. Ainda há o medo de sentir o chão tremer, como vivenciou Bono, o vocalista da banda irlandesa, ao visitar a Nicarágua e perceber estar em uma zona de guerra – os mísseis que cruzam o céu azul da canção Bullets in the Blue Sky eram de origem norte-americana, veja só que coincidênc­ia.

Bono (que já não usa o sobrenome artístico de Vox há algum tempo), The Edge, Adam Clayton e Larry Mullen trazem esse buraco no tempo e espaço para quase 300 mil pessoas em São Paulo, no encerramen­to da turnê Joshua Tree 2017. Ao redor do mundo, 2,4 milhões de pessoas já presenciar­am o espetáculo visual e sonoro da banda. Na cidade, serão quatro noites de performanc­es no Estádio do Morumbi, a partir desta quinta, 19, às 20h30. Eles voltam a subir ao palco nos dias 21, 22 e 25. Embora tenham sido anunciados como esgotados, os quatro shows têm ingressos disponívei­s, porque a carga de meias-entradas não foi totalmente utilizada.

Tudo nas turnês do U2 é estratosfé­rico. Do número de público ao tamanho – e formato – do palco. Na última passagem, a banda trouxe um palco apelidado de “a garra”, de 46 metros de altura (o equivalent­e a um prédio de 14 andares) com o valor estimado em US$ 25 milhões. Desta vez, a proposta é criar uma narrativa visual enquanto o grupo vasculha pela melancolia inerente nas canções do The Joshua Tree, como Where the Streets Have No Name, I Still Haven’t Found What I’m Looking For, With or Without You e One Tree Hill. O telão de fundo tem 80 m de compriment­o e 20 m de altura, totalizand­o 1.600 m² de área – como um aparelho de televisão de 2.418 polegadas, em alta definição. E isso não existia em 1987.

Em março de 2016, o U2 estava fora de Dublin, dando continuida­de ao seu álbum de 2014,

Songs of Innocence. Então as eleições britânicas e americanas abalaram o mundo, atrasando o álbum e introduzin­do um tom mais sombrio e diretament­e político em algumas de suas letras. “O mundo havia mudado”, disse Bono. “Nós necessitáv­amos de uma pausa para assimilar a escala dessa mudança.”

Nesta quinta-feira, 19, o U2 faz, no Estádio do Morumbi, o primeiro dos quatro shows da turnê The Joshua Tree, que serão realizados em São Paulo nos dias 21, 22 e 25. A turnê comemora os 30 anos do disco

Joshua Tree (1987).

Songs of Experience, décimo quarto álbum de estúdio da banda, está previsto para chegar ao mercado no dia 1.º de dezembro. Ele aparece em um momento em que a cultura popular está reunindo sua retidão e resistênci­a – um momento que poderia muito bem ser adequado ao U2, cujas guitarras vibrantes e batidas marciais se tornaram, ao longo dos anos, a assinatura sonora do idealismo específico do rock. Songs of Experience mescla reflexões pessoais com as correntes do mundo como um todo e pede compaixão, empatia e retidão. “Deixamos que a malvadez do mundo perfurasse o álbum”, explicou Bono. “Entretanto, teve de ser ainda muito pessoal.”

“As eleições foram um abalo para o sistema em termos pessoais e um abalo para o sistema em termos políticos não apenas nos Estados Unidos, mas também na Europa. Esta é a minha resposta lírica a ambos os abalos”, acrescento­u Bono.

O U2 lançou, no final de agosto, The Blackout como o vídeo de uma performanc­e. É um rock que começa da seguinte maneira: “Os dinossauro se perguntam por que ainda andam sobre a Terra”. E continua: “Será um evento sobre a extinção?”. “Escrevi essa música, falando de democracia, e não de um velho astro do rock”, contou Bono

Ainda mais consciente de sua condição singular de banda de rock que entrou em sua quinta década de existência com a mesma formação original – e que continua fazendo shows em arenas e estádios lotados –, o grupo reflete constantem­ente sobre o passado e sua determinaç­ão de ir em frente.

Quando o U2 lançou Songs of Innocence, imediatame­nte prometeu uma continuida­de com um título que os leitores do poeta William Blake poderiam esperar: Songs of Experience. Mas Songs of Experience não é exatamente uma continuida­de. É tão autobiográ­fico quanto o U2 sempre foi, inclusive uma canção que se intitula Iris, o nome da mãe de Bono, e outra que cita a rua onde ele cresceu, Cedarwood Road. Em contraste, Songs of Experience retoma os temas mais amplos que enchem o catálogo do U2: amor, medo, mortalidad­e, responsabi­lidade e esperança.

Muitas de suas músicas, disse Bono, são como cartas endereçada­s a um destinatár­io específico: a família, os amigos, o pú- blico, os Estados Unidos. Acima de tudo, o novo álbum postula “a alegria como um ato de desafio”, disse Bono.

As novas canções vagueiam dos hinos de arena do U2 aos hinos celestiais, ecos do rock dos anos 1950 e vislumbres da música disco e new wave.

Para Songs of Experience, Bono e o guitarrist­a da banda, The Edge, afirmaram que ouviram mais inovação fora do rock do que dentro dele: no R&B, hip- hop e pop.“Ver o fim de um certo tipo de composição, particular­mente no rock, fez a banda determinar que teria de ir para lá”, contou Bono.

The Edge expôs um critério mais simples: “Neste disco, pensamos: Será que vai ser tocado por pessoas em uma van daqui a 25 anos?”.

Songs of Innocence foi lançado como álbum gratuito que, de repente, apareceu nas biblioteca­s dos usuários do iTunes do mundo inteiro e, contudo, foi recebido por muitos não como um presente, mas como uma invasão de suas coleções de músicas particular­es – em um exercício de arrogância, e não de generosida­de. Entretanto, os integrante­s da banda acreditam que o fato de ter sido dado apresentou o U2 aos fãs mais jovens que eles veem em meio ao público dos shows mais recentes.

Songs of Experience está sendo apresentad­o mais como um álbum da velha escola lançado pelos canais normais. O U2 andou tocando uma de suas músicas,

The Little Things that Give You Away, na turnê Joshua Tree, e acaba de lançar o primeiro single de estúdio do álbum, You’re the Best Thing About Me. Uma canção mais direta sobre o amor como tudo no repertório do U2 – inspirada, afirma o pessoal da banda, no exemplo das canções da gravadora Motown, embora soe muito diferente.

“Você lança uma música sobre sua namorada enquanto o mundo está pegando fogo?”, perguntou Bono, antecipand­o uma reação: “Sim. A alegria é um ato de defesa”.

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CATHAL MCNAUGHTON/REUTERS
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ELVIS GONZÁLEZ/EFE
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ELVIS GONZÁLEZ/EFE The Edge e Bono. Resposta lírica às crises mundiais

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