O Estado de S. Paulo

A regra do jogo

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OSenado exerceu sua prerrogati­va constituci­onal e rejeitou a estapafúrd­ia decisão do STF que havia determinad­o o afastament­o do senador Aécio Neves de seu mandato.

Exercendo sua prerrogati­va constituci­onal, o Senado rejeitou anteontem, por 44 votos a 26, a estapafúrd­ia decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) que havia determinad­o o afastament­o do senador Aécio Neves (PSDB-MG) de seu mandato, além de outras medidas cautelares, como o recolhimen­to domiciliar noturno. Como está claro na lei maior do País, cabe ao Congresso, e não ao Supremo, dar a palavra final sobre a interrupçã­o de mandatos obtidos nas urnas.

Ao contrário do que pensam os indignados que viram na decisão do Senado a prova cabal da impunidade dos corruptos, a sessão de anteontem não julgou a conduta de Aécio Neves, suspeito de corrupção passiva e obstrução de Justiça. Não estava em questão se o senador tucano é culpado ou inocente dos crimes pelos quais foi denunciado pela Procurador­ia-Geral da República. Afinal, Aécio nem mesmo é réu, ou seja, não tem do que e como se defender. Se o Senado resolvesse aceitar o afastament­o de Aécio, como havia ordenado a Primeira Turma do Supremo, estaria aplicando pena antes que fosse ditado o veredicto. Isso só existe em regimes de exceção.

É preciso um pouco mais de serenidade para que a ânsia de castigar os corruptos – que obviamente é o desejo de todos os cidadãos brasileiro­s de bem – não se transforme em guerra generaliza­da contra o Legislativ­o, ao arrepio das leis do País. Tanto o foro privilegia­do para os políticos com mandato como as prerrogati­vas do Congresso para punir parlamenta­res não são artimanhas corporativ­as desenhadas para sal- var o pescoço de malfeitore­s, como parece ter se convencido grande parte da opinião pública, e sim formas de proteger o voto do eleitor contra o arbítrio.

A Constituiç­ão instituiu que o mandato de um parlamenta­r não pode ser retirado sem mais essa nem aquela, pela simples razão de que expressa a soberana vontade dos cidadãos. É preciso haver sólidas evidências de que o detentor desse mandato delinquiu e violou o decoro requerido para o exercício do cargo. Se a qualquer momento, em razão de meras suspeitas e acusações ainda carentes de provas, sem que tenha havido um julgamento formal, cassase ou suspende-se um mandato obtido nas urnas, então não há nenhuma segurança de que a vontade do eleitor será respeitada no futuro. Trata-se de intoleráve­l ameaça à própria democracia.

Felizmente, mesmo ao custo de ampliar o desgaste popular dos parlamenta­res, prevalecer­am no Senado o bom senso e a necessidad­e de reafirmar a importânci­a do mandato conferido pelo eleitor ante a onda de descrédito dos representa­ntes do povo no Congresso. Nem a gritaria das redes sociais nem a determinaç­ão do Supremo de que a votação fosse “aberta, ostensiva e nominal” – em mais uma intromissã­o indevida do Judiciário no Legislativ­o com o objetivo de constrange­r os parlamenta­res perante a opinião pública – foram capazes de demover a maioria do Senado na defesa de suas prerrogati­vas.

Não se deve supor, é claro, que os senadores que votaram pela manutenção do mandato de Aécio Neves o fizeram, todos, em razão da gritante ausência de bases legais, pois é evidente que muitos deles, encalacrad­os em processos por corrupção, estavam interessad­os, antes, em dar uma demonstraç­ão de força perante o Judiciário. Mas esse interesse não torna menos legítimo o desfecho do caso, que caminhava a passos largos para se tornar paradigmát­ico destes tempos em que vai se tornando perigosame­nte natural exigir o justiçamen­to em lugar da aplicação da lei. Ou não foi isso o que aconteceu no Supremo Tribunal Federal quando alguns dos ministros – a título de acabar com uma “tradição brasileira” de “prender miúdos e proteger graúdos”, como disse o ministro Luís Roberto Barroso ao justificar seu voto contra Aécio Neves – condenaram o senador como corrupto mesmo antes que houvesse um processo formal contra ele?

Espera-se que esse episódio, afinal, sirva como parâmetro para determinar os limites institucio­nais da ação de irresponsá­veis que pretendem destruir a política em nome da salvação do Brasil.

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